O «impedimento» também no caso do ajuste direto simplificado?
O Registo Central do Beneficiário Efetivo (RCBE), aprovado pela Lei n.º 89/2017, de 21 de agosto, é constituído por uma base de dados com informação suficiente, exata e atual sobre a pessoa ou as pessoas singulares que, ainda que de forma indireta ou através de terceiro, detêm a propriedade ou o controlo efetivo de operadores económicos.
As entidades sujeitas ao registo estão constituídas no dever de declarar, nos momentos previstos e com a periodicidade fixada, informação suficiente, exata e atual sobre os seus beneficiários efetivos, todas as circunstâncias indiciadoras dessa qualidade e a informação sobre o interesse económico nelas detido.
De acordo com o artigo 36.º do referido regime jurídico, a comprovação do registo e das respetivas atualizações de beneficiário efetivo pelas entidades obrigadas deve ser exigida em todas as circunstâncias em que a lei obrigue à comprovação da situação tributária regularizada, sem prejuízo de outras disposições legais que determinem a exigência dessa comprovação.
De acordo com o disposto no artigo 37.º, nº 1, b) da referida Lei n.º 89/2017, de 21 de agosto, o incumprimento da obrigação declarativa ou de retificação do beneficiário efetivo impede a celebração de contratos públicos – contratos de empreitadas de obras públicas, de aquisição de bens ou serviços – com o Estado, regiões autónomas, institutos públicos, autarquias locais e instituições particulares de solidariedade social maioritariamente financiadas pelo Orçamento do Estado, obstando também à renovação do prazo dos contratos já em vigor.
Assim, o incumprimento da obrigação declarativa ou de retificação do beneficiário efetivo constitui, materialmente, um impedimento à celebração do contrato. A confirmação da inexistência de tal impedimento efetua-se através da consulta eletrónica ao RCBE, como decorre do n.º 2 do artigo 36.º do assinalado diploma legal.
O citado impedimento estende-se a todos os contratos de empreitadas de obras públicas e de aquisição de bens ou serviços (celebrados pelas entidades adjudicantes indicadas), independentemente do respetivo valor, e portanto também, do tipo de procedimento pré-contratual que lhes está subjacente.
Com efeito, o legislador, na concretização do dito impedimento, não condiciona a sua verificação ao valor do contrato, ao procedimento pré-contratual adotado ou à sua formalização escrita.
O ajuste direto simplificado, previsto no artigo 128.º do Código dos Contratos Públicos, não obstante a respetiva desformalização, não deixa de constituir um ajuste direto, elencado no artigo 16.º, n.º 1, a). E ainda que o contrato formado por aquela via não tenha de ser necessariamente reduzido a escrito, não deixam as partes de concluir um contrato, para efeitos da aludida hipótese consignada na alínea b), do n.º 1 do artigo 37.º da Lei n.º 89/2017, de 21 de agosto.
Apesar do Código dos Contratos Públicos – a norma geral – dispensar, em tais procedimentos, a observação da generalidade das formalidades pré-contratuais, designadamente a habilitação, a norma especificamente integrada no regime do beneficiário efetivo não deixa de constituir norma especial, visando manifestamente salvaguardar outros interesses, próprios, autónomos e específicos, não direta ou especialmente visados pelo Código dos Contratos Públicos.
Assim, por aplicação do princípio da especialidade – que determina que a norma especial prevalece sobre a norma geral – é possível concluir que também nos casos dos contratos a concluir na sequência de um ajuste direto simplificado, não reduzidos a escrito, portanto, não pode tal acordo de vontades ser firmado caso se verifique o impedimento do incumprimento do registo do beneficiário efetivo.
E, para assegurar aquele objetivo legal específico, ditado pela norma especial, a única solução adequada a impedir a celebração de um contrato em violação da lei passará por promover, antecipadamente, a consulta do registo do beneficiário efetivo.
