Um concurso, diferentes propostas apresentadas por diferentes entidades jurídicas… especialmente relacionadas entre si…
As entidades jurídicas especialmente relacionadas entre si, mesmo que constituam uma única empresa para efeitos do regime jurídico da concorrência, não estão impedidas de apresentar propostas no âmbito de procedimentos pré-contratuais.
Contudo, caso a atuação dessas entidades no procedimento ou a análise das propostas que tenham apresentado justifiquem suspeitas quanto à existência de interações relativas à respetiva participação, devem as entidades adjudicantes (ou os júris do procedimento), com base no artigo 70.º, n.º 2, alínea g), do Código dos Contratos Públicos e prevenindo o risco de concertação ou coordenação das propostas e do consequente falseamento da concorrência no procedimento em causa por via da criação de vantagens relativamente aos demais concorrentes:
(i) Avaliar, na sequência de audição dos visado, se existem fortes indícios de atos, acordos, práticas ou informações referentes a uma influência concreta da relação especial entre esses concorrentes no conteúdo das propostas que apresentaram; e
(ii) em caso afirmativo, Excluir tais propostas.
Assim, (existindo) indícios de que as propostas de concorrentes especialmente relacionados entre si não foram elaboradas com total autonomia e independência, mesmo que as interações em causa não possam corresponder a práticas proibidas pelo regime jurídico da concorrência nem respeitem a aspetos do contrato submetidos à concorrência, são condição suficiente para que tais propostas não devam ser consideradas pela entidade adjudicante, uma vez que a distorção da concorrência que o artigo 70.º, n.º 2, alínea g), do Código dos Contratos Públicos, visa prevenir é justamente a de alguns concorrentes coordenarem ou concertarem as respetivas propostas de modo a aumentarem as possibilidades de adjudicação, em prejuízo dos demais e da própria entidade adjudicante.
Para efeito das suspeitas iniciais e da avaliação dos referidos indícios, serão de considerar, entre outros, os sinais de alerta referidos na “Comunicação sobre ferramentas para lutar contra a colusão na contratação pública e sobre orientações relativas à forma de aplicar o respetivo motivo de exclusão” (2021/C 91/01).
A avaliação dos “fortes indícios de atos, acordos, práticas ou informações suscetíveis de falsear as regras de concorrência”, remete para uma prova objetiva, real, concordante e circunstanciada, mas que não tem de ser feita através de prova direta, firme e irrefutável, pois pode basear-se num conjunto de elementos factuais a partir dos quais se retirem factos presumidos, competindo ao júri do procedimento e à entidade adjudicante também apenas comprovar a existência daqueles “fortes indícios” e não a prática efetiva de uma conduta anticoncorrencial.
A avaliação feita pelo júri do procedimento ou entidade adjudicante quanto aos “fortes indícios” pode ser infirmada pelo tribunal em caso de erro manifesto.
Anulada judicialmente a adjudicação feita ao concorrente cuja proposta foi ordenada em primeiro lugar, e não podendo a mesma ser considerada em virtude da existência de fortes indícios de ter sido coordenada com outra falseando a concorrência no procedimento, a adjudicação, enquanto ato legalmente devido, tem de ser feita à proposta ordenada em segundo lugar, uma vez que a possibilidade de não adjudicação ficou precludida pela anterior decisão de adjudicar e, por conseguinte, só desse modo se pode reconstituir a situação que existiria no caso de não ter sido cometida a ilegalidade de não excluir as propostas não autónomas nem independentes.
Assim esclareceu ipsis verbis o Supremo Tribunal Administrativo aqui.
