Vamos discutir se o concorrente tem objeto social compatível com o objeto do contrato?
O Supremo Tribunal Administrativo já explicou que a capacidade dos operadores económicos para celebrar e executar um contrato público não é limitada, nem pelo CPV do concurso, nem pelos CAE das atividades económicas que compreendem o seu objeto social.
O Vocabulário Comum para os Contratos Públicos (CPV) foi estabelecido pelo Regulamento (CE) n.º 213/2008 da Comissão, de 28 de novembro de 2007.
De acordo com aquele regulamento, e o respetivo guia de aplicação, o CPV visa normalizar, através de um sistema de classificação único para os contratos públicos, os termos utilizados pelas autoridades e entidades adjudicantes para descrever a natureza dos contratos, facultando uma ferramenta adequada a todos os potenciais utilizadores (entidades/autoridades adjudicantes, candidatos ou proponentes no processo de adjudicação de contratos).
O CPV não tem, por isso, qualquer valor normativo, sendo utilizado exclusivamente para promover a transparência e facilitar o acesso do mercado às oportunidades de negócio publicitadas pelas entidades adjudicantes.
Dele não resulta, pois, a imposição de qualquer limite objetivo à contratação, dado que o mesmo não define e delimita o objeto do procedimento e do contrato.
O mesmo se deve dizer, no plano subjetivo, da Classificação Portuguesa das Atividades Económicas (CAE), que não impõe qualquer limite à capacidade de contratação dos concorrentes.
O CAE constitui uma nomenclatura utilizada para fins estatísticos, que visa classificar e agrupar as unidades produtoras de bens e serviços segundo a atividade económica, assegurando a organização da informação estatística económico-social, e a sua comparabilidade a nível nacional, europeu e mundial.
Como se decidiu no Acórdão da Secção do Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal Administrativo, de 9 de julho de 2020, «a “Classificação Portuguesa das Atividades Económicas” (Lei 381/2007, de 14/11 – Revisão 3) têm uma finalidade própria – classificativa, estatística -, diversa da finalidade da estatuição do objeto social das sociedades comerciais.
Por isso, ainda que possa revelar-se útil, a título meramente indicativo, não pode substituir, para efeitos da ponderação da questão em análise, a interpretação do conteúdo do objeto social. Aliás, o CAE está limitado a uma classificação principal e três secundárias, o que bem se compreende em face do seu objetivo classificativo/estatístico, enquanto o objeto social não tem semelhante limitação».
E, reforça o Supremo Tribunal Administrativo, se a capacidade dos operadores económicos para celebrar e executar um contrato público não é limitada, nem pelo CPV do concurso, nem pelos CAE das atividades económicas, também não o é, em rigor, pelo seu objeto social.
Existe, de facto, um princípio da especialidade das sociedades comerciais, nos termos do qual a capacidade das mesmas apenas «compreende os direitos e as obrigações necessários ou convenientes à prossecução do seu fim».
Porém, o objeto social não limita, por si só, a capacidade jurídica das sociedades comerciais, não obstante constituírem os respetivos órgãos «no dever de não excederem esse objeto ou de não praticarem esses atos». Mas essa implicação é meramente interna, não podendo assacar-se aos mesmos, por força daquela disposição legal, a nulidade prevista no artigo 294.º do Código Civil.
É certo também, explica o Tribunal, que, nos termos da alínea d) do número 1 do artigo 142.º do Código das Sociedades Comerciais, pode ser requerida a dissolução da sociedade quando a mesma «exerça de facto uma atividade não compreendida no objeto contratual». Mas enquanto a sociedade não for dissolvida, não se pode limitar a sua capacidade jurídica para além do estabelecido no citado artigo 6.º, número 4, do dito Código.
Importa, então, não ter uma leitura excessivamente restritiva do objeto social das sociedades e não ser demasiado lesto a convocar o artigo 70.º, n.º 2, f) do Código dos Contratos Públicos para excluir propostas em procedimentos de contratação pública.
É que uma leitura demasiado restritiva do objeto social dos concorrentes pode tropeçar no facto de a capacidade das sociedades compreender, não apenas os direitos e as obrigações necessários à prossecução do seu fim, como também os direitos e obrigações que sejam meramente convenientes ao mesmo…
Tudo isto, mais e melhor, aqui.
