A assinatura eletrónica dos documentos apenas no momento da submissão da proposta na plataforma eletrónica
Os Tribunais Administrativos têm vindo a considerar que a preterição da formalidade de prévia assinatura eletrónica qualificada de todos os documentos da proposta se degrada em não essencial se, no momento da submissão/carregamento da proposta na plataforma, é assegurada a assinatura eletrónica qualificada de cada um dos documentos que a compõem.
Tem considerado a jurisprudência, sinteticamente, o seguinte:
No momento da apresentação efetiva da proposta, pela sua submissão/carregamento na plataforma eletrónica, tendo sido aposta a assinatura eletrónica qualificada exigida, significa que o concorrente se vinculou a cumprir os termos, condições, especificações, preços, vertidos em cada um dos documentos constantes da proposta.
Isto independentemente da sua prévia e individual assinatura, e assumidos na plataforma como versão final, inalterada e inalterável daquela.
Entende-se estar em causa uma formalidade não essencial e, consequentemente, não existir fundamento para a exclusão da proposta.
Este é o resultado da interpretação do disposto nos artigos 146.º, n.º 2, alínea e) e 57.º, n.º 4 do Código dos Contratos Públicos, assim como nos artigos 54.º, n.º 5 e 68.º, n.º 4 da Lei n.º 96/2015, de 17 de agosto.
Com a assinatura dos documentos, pretende-se salvaguardar que haja uma forma segura de saber se algum documento foi alterado após o momento da abertura das propostas.
Ora, a circunstância de as plataformas eletrónicas estarem obrigadas a “manter os documentos no seu formato original, devidamente conservados”, de forma a que seja possível identificar “o documento enviado, bem como a entidade e o utilizador que o enviou” e de elas terem de registar “tentativas com sucesso ou fracassadas de modificação de dados” e de garantirem a existência de cópias de segurança “protegidas contra modificação com recurso a mecanismos de assinatura digital”, demonstra que há sempre a possibilidade de aferir se uma cópia eletrónica que tenha sido extraída da plataforma corresponde ao documento original que foi submetido pelo concorrente.
(Cfr. n.º 2, do artigo 31.º, c) do n.º 3 do artigo 31.º, h) do n.º 5 do artigo 50.º e n.º 4 do artigo 52.º da Lei n.º 96/2015)
Nessa linha de entendimento, o Supremo Tribunal Administrativo, por Acórdão recente, de 2025, reiterou que:
Considerando que segundo o disposto no n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 96/2015 relativo à submissão das propostas, “a proposta considera-se apresentada, para efeitos do Código dos Contratos Públicos, quando o concorrente finaliza o processo de submissão”, encontra-se salvaguardada a garantia de inalterabilidade das propostas.
Isto no sentido de as mesmas não sejam alteradas após o momento legalmente definido como o da sua apresentação ao concurso, assim como, encontrando-se assinados todos os documentos da proposta no momento da sua submissão, correspondente ao momento legalmente definido como o da apresentação da proposta a concurso, não se pode conferir relevância invalidante à circunstância de a proposta e seus documentos não estarem também assinados em momento anterior ao da sua submissão, ou seja, em momento anterior ao da sua apresentação ao concurso.
Disponível para consulta aqui.
Também a doutrina reconheceu, no fundo, esta dupla modalidade de carregamento de documentos eletrónicos na plataforma:
“Face ao quadro legal em vigor, se deve continuar a admitir a existência de duas modalidades de carregamento de documentos eletrónicos na plataforma:
(i) a prevista no n.º 4 do artigo 68.º, e que, quando o interessado procede ao carregamento de um documento na plataforma eletrónica, o mesmo já deve estar encriptado e assinado, com recurso a uma assinatura eletrónica qualificada; e
(ii) a constante do n.º 5 do artigo 68.º, em que não é necessária a assinatura eletrónica qualificada dos documentos antes do momento do seu carregamento e submissão. A escolha da modalidade de carregamento deve pertencer ao interessado”,
Luís Verde de Sousa, “A assinatura eletrónica das propostas: alguns problemas criados ou não resolvidos pela Lei nº 96/2015”,
Revista dos Contratos Públicos, n.º 24, agosto de 2020, CEDIPRE, Almedina, pág. 64.
Note-se que, atualmente, a formalidade da falta da assinatura de documentos da proposta degrada-se numa mera irregularidade, sanável, nos termos do Decreto-Lei n.º 78/2022, de 7 de novembro, o qual deu nova redação ao artigo 72.º, n.º 3, al. c) do Código dos Contratos Públicos.
Resulta do quadro legal aplicável atualmente que «o júri deve solicitar aos candidatos e concorrentes que, no prazo máximo de cinco dias, procedam ao suprimento de irregularidades formais das suas candidaturas e propostas que careçam de ser supridas, desde que tal suprimento não seja suscetível de modificar o respetivo conteúdo e não desrespeite os princípios da igualdade de tratamento e da concorrência».
Nesse âmbito do suprimento está compreendida a situação de «falta ou insuficiência da assinatura, incluindo a assinatura eletrónica, de quaisquer documentos que constituam a candidatura ou a proposta, as quais podem ser supridas através da junção de declaração de ratificação devidamente assinada e limitada aos documentos já submetidos».
Há, então, uma derradeira questão a esclarecer:
(1) A assinatura dos documentos da proposta apenas na fase da submissão constitui, na leitura da jurisprudência, a preterição de uma formalidade.
(2) Porém, a formalidade preterida é não essencial, não determinando consequências para a admissibilidade da proposta.
(3) Neste contexto, antes da introdução da forma de suprimento prevista na alínea c) do n.º 3 do artigo 72.º do Código dos Contratos Públicos, a proposta deveria ser considerada como regularmente submetida (ou melhor, não poderia ser excluída).
(4) Porém, depois da alteração legislativa de 2022, existe uma forma legalmente consagrada para o suprimento de insuficiências na assinatura das propostas: a junção de declaração de ratificação.
(5) E se, num caso como o analisado – em que existe a preterição de uma formalidade, uma irregularidade – o concorrente, notificado para efeitos da alínea c) do n.º 3 do artigo 72.º, não juntar a declaração de ratificação, ou seja, não suprir a irregularidade?
A irregularidade – que antes considerava-se suprida – não fica suprida, certo?
