Se não forem lícitas, podem ser impugnadas!
As peças do procedimento disciplinam o projeto do contrato a celebrar e os termos de acordo com os quais se desenrolará o procedimento tendo em vista a identificação da proposta a adjudicar, cujo conteúdo, portanto, combinada com o caderno de encargos, concretizará o contrato a celebrar.
Nessa medida, as peças do procedimento devem conformar-se integralmente com o quadro legal aplicável em todas as suas dimensões, designadamente no que toca às respetivas especificações técnicas, económicas e financeiras.
De facto, a previsão de requisitos, exigências ou condições exorbitantes, desproporcionadas ou desajustadas das reais necessidades implicadas no objeto do contrato a celebrar poderão constituir, na prática e verdadeiramente, mecanismos ou manobras para afastar artificialmente potenciais concorrentes, restringir efetivamente a concorrência e promover condições favoráveis a poucos ou apenas um dos operadores económicos.
Nesse cenário, sob a forma aparente de um concurso público, promove-se uma consulta prévia ou um ajuste direto.
Para salvaguarda dos interesses concorrenciais de todos os operadores de mercado, permite-se o recurso aos Tribunais para pedir a declaração da ilegalidade de disposições contidas no programa do concurso, no caderno de encargos ou em qualquer outro documento conformador do procedimento de formação do contrato (cfr. artigo 103.º do Código do Processo nos Tribunais Administrativos).
Esse pedido de declaração de ilegalidade pode ser deduzido durante o decurso do procedimento de contratação pública em causa, sem prejuízo de poderem ser atacados judicialmente, de forma autónoma, os atos que apliquem tais normas, como, por exemplo, a decisão de qualificação ou a decisão de adjudicação.
Como resulta do assinalado dispositivo legal, «o pedido de declaração de ilegalidade pode ser deduzido por quem participe ou tenha interesse em participar no procedimento em causa».
Ou seja, pode peticionar judicialmente a declaração de ilegalidade quem, no fundo, tiver um interesse sério em fazê-lo! E, em boa verdade, terá um interesse sério quem puder retirar da anulação ou declaração de nulidade uma utilidade pessoal, ou seja, para si próprio.
Assim, pode impugnar as peças do procedimento quem mover o processo judicial na expectativa ou com o fito de salvaguardar um interesse próprio, seu, efetivo e atual, interesse esse que é afetado – prejudicado – pelas disposições das peças do procedimento.
Não basta, portanto, um interesse meramente hipotético, longínquo ou eventual. Terá de resultar do provimento da impugnação uma vantagem ou um benefício específico e imediato para o autor do processo.
Para aquele efeito, não é estritamente necessário que o autor da impugnação das peças do procedimento seja candidato ou concorrente no procedimento de contratação pública: não constitui conditio sine qua non que tenha apresentado uma candidatura ou uma proposta.
Com efeito – e como resulta do n.º 2 do artigo 103.º do Código do Processo nos Tribunais Administrativos – o pedido de declaração de ilegalidade pode ser deduzido por quem participe ou tenha interesse em participar no procedimento em causa.
O Tribunal de Justiça da União Europeia, no Acórdão Grossman Air Service (Processo C-230/02), pronunciou-se no sentido de não ser exigível que uma empresa alegadamente lesada por cláusulas discriminatórias constantes da documentação do concurso apresentasse, antes de poder utilizar os mecanismos de recurso previstos na Diretiva 89/6657CEE contra essas especificações, uma proposta no âmbito do referido concurso público, ainda que as probabilidades de obter a adjudicação fossem nulas decido à existência de tais especificações.
Assim, crítico ou determinante é que o operador económico que pretende impugnar, mesmo não tendo participado no procedimento, evidencie um interesse sério em fazê-lo!
Porque aqui não se inventa nada, tudo isto, mais e melhor, aqui.
