O problema do “timming” na concretização das modificações objetivas | parte I
Pacta sunt servanda! Os pactos devem ser observados ou, na formulação comum, os contratos devem ser cumpridos. Perfeita e pontualmente.
Os contratos administrativos, abrangidos pelo âmbito de aplicação do Código dos Contratos Públicos, podem ser modificados tanto por acordo das partes, como por decisão judicial ou arbitral, como também por ato administrativo do contraente público, em todos os casos, nos termos e observados os limites previstos no artigo 311.º e seguintes do referido Código dos Contratos Públicos.
As modificações objetivas dos contratos – incluindo as que tenham por objeto a realização de prestações complementares – devem ser publicitadas pelo contraente público no portal dos contratos públicos, como impõe o n.º 1 do artigo 315.º do Código.
A publicitação exigida naquele normativo é condição de eficácia dos atos, nomeadamente para efeitos de quaisquer pagamentos.
As modificações objetivas só produzem, portanto, os seus efeitos – diríamos todos os seus efeitos – depois de publicitada a modificação.
Mas se todos os efeitos da modificação só podem produzir-se após a publicação no portal dos contratos públicos – porque isso mesmo o determina o n.º 3 do artigo 315.º do Código dos Contratos Públicos – só depois de assegurada a referida medida de transparência podem tais trabalhos ser executados (efeitos materiais), medidos (efeitos jurídicos) e pagos (efeitos financeiros).
Esta condição de eficácia global – porque o legislador, quando se refere, no n.º 3 do artigo 315.º, à eficácia para efeitos de pagamentos, explicita claramente a sua natureza exemplificativa – comporta uma difícil compatibilização com o normal devir da execução das empreitadas de obras públicas, sobretudo no que toca aos efeitos materiais das modificações.
Uma das vertentes mais recorrentes das modificações objetivas aos contratos é a dos trabalhos complementares, que, não raras vezes, resultam da execução de quantidades acrescidas às projetadas das espécies de trabalho compreendidas no mapa de trabalhos e quantidades.
No caso destas modificações objetivas sob a forma de trabalhos complementares, geralmente só a medição retratará, com fidelidade e segurança, que foram executadas quantidades acrescidas de espécies de trabalhos previstos no projeto.
Nos termos do disposto no artigo 387.º do Código dos Contratos Públicos, o dono da obra deve proceder à medição de todos os trabalhos executados, incluindo os trabalhos não previstos no projeto ou não devidamente ordenados pelo dono da obra.
Neste cenário, a realidade dos factos determina que se produzam efeitos materiais (os trabalhos foram executados) e até jurídicos (os trabalhos foram reconhecidamente executados na medição) de modificações que assumem a natureza de «trabalhos complementares», sem que o ato ou acordo modificativo tenha sequer tido lugar!
No fundo, é a matéria a sobrepor-se à forma, ou a vida a levar a dianteira face ao Direito e este, o Direito, só com um efeito retroativo, poderá abranger os efeitos reais já produzidos, porventura ao abrigo do artigo 156.º, n.º 2, a) do Código do Procedimento Administrativo:
Quando a retroatividade seja favorável para os interessados e não lese direitos ou interesses legalmente protegidos de terceiros, desde que à data a que se pretende fazer remontar a eficácia do ato já existissem os pressupostos justificativos dos efeitos a produzir
Em todo o caso, neste cenário, que é recorrente, não parece ser muito fácil assegurar o pleno cumprimento do artigo 315.º, n.º 3 do Código dos Contratos Públicos, por uma questão de oportunidade …, lá está, de timming...