Podemos compensar «trabalhos a mais» com «trabalhos a menos»?
Há muito que os principais intervenientes práticos e operacionais na gestão de obras públicas – a generalidade deles ligados aos processos de engenharia e gestão de contratos – debatem sobre a possibilidade compensação de trabalhos a mais e trabalhos a menos para efeitos de cálculo do limiar de modificação objetiva do contrato.
De facto, em muitas situações em que se constata a necessidade de execução de trabalhos não compreendidos no objeto do contrato – independentemente da circunstância que gera a sua necessidade ser ou não imprevisível – a realização dessas prestações adicionais envolve a supressão de outros trabalhos inicialmente considerados.
Ou seja, salvo quando os trabalhos adicionais se circunscrevem à execução de quantidades acrescidas dos tipos de trabalhos já previstos, não raras vezes a execução de trabalhos de espécie diferentes das previstas implica a supressão ou redução de quantidades de trabalhos de espécies contempladas.
Esta realidade apresenta-se especialmente em contextos de necessidade de alteração ou ajustamento do projeto de execução, sobretudo quando se impõe a necessidade de adequar o projeto tanto a circunstâncias inesperadas, como superar erros ou omissões na sua conceção e desenvolvimento.
O Tribunal de Contas, no recente relatório n.º 1/2023, respeitante à ação concomitante de análise global dos contratos adicionais, formulou algumas explicações sobre esta matéria que são úteis e que, por isso, se reproduzem seguidamente:
«O Código dos Contratos Públicos, na sua versão inicial, previu a possibilidade de compensar trabalhos a mais com trabalhos a menos, mas afastou a possibilidade de compensação quando estivessem em causa trabalhos de suprimento de erros e omissões [vide artigo 370.º, n.º 2, alínea c)].
O Decreto-Lei n.º 149/2012, de 12 de julho, que introduziu alterações ao CCP, veio estender a impossibilidade de compensação também aos trabalhos a mais.
O Decreto-Lei n.º 111-B/2017, de 31 de agosto, que também introduziu alterações no CCP e o republicou em anexo, manteve a impossibilidade de compensação de trabalhos designados por complementares com os trabalhos contratuais suprimidos ou a menos.
Igual situação resulta das alterações introduzidas pela Lei n.º 30/2021, de 21 de janeiro, e pelo Decreto-Lei n.º 78/2022, de 7 de novembro.
Ou seja, atualmente, não é possível, para efeitos do cálculo de percentagem de acréscimo verificado em cada obra, compensar trabalhos a menos ou suprimidos com trabalhos complementares, razão por que os contratos ou documentos devem respeitar e mencionar os valores de uns e de outros.»
Compreende-se!
Se a compensação fosse possível, o dono da obra, de compensação em compensação, poderia, acabar a executar uma obra bem distinta da contratada…
