A restrição do artigo 113.º, n.º 2 a formular o convite “comunica-se” à adjudicação?
O caso:
Uma entidade adjudicante promove em simultâneo duas consultas prévias para a formação de dois contratos de aquisição de serviços que têm, portanto, o mesmo tipo mas objetos próprios, autónomos e que não estão relacionados entre si.
Para cada consulta prévia, a entidade adjudicante convida a apresentar proposta três operadores económicos, escolhidos, todos eles, em função do conhecimento interno da experiência e capacidade para a prestação de serviços a contratar.
Dada a especialização do serviço e porque não existem muitos operadores no mercado vocacionados para o tipo específico de prestação de serviços, a entidade adjudicante opta por convidar uma das empresa para ambas as consultas prévias. Na prática, para as duas consultas prévias, são selecionadas cinco empresas, dado que uma delas, como se disse, é convidada para ambas as consultas.
Embora todas as entidades tenham já executado, para a entidade adjudicante serviços na sequência de procedimento de consulta prévia, todas as empresas podem ser convidadas para a apresentação de proposta, ao abrigo do artigo 113.º, n.º 2 do Código dos Contratos Públicos, uma vez que não foram ultrapassados os limites ali previstos para o procedimento de consulta prévia.
No decurso de um dos procedimentos, a entidade adjudicante adjudica os serviços à proposta economicamente mais vantajosa, proposta essa subscrita pelo operador económico que foi convidada para ambas as consultas prévias.
Com esta adjudicação, a referida entidade fica com um saldo de adjudicações acumulado em consultas prévias junto da entidade adjudicante, para efeitos do n.º 2 do artigo 113.º do Código dos Contratos Públicos, no valor de €95.000.
Está, por isso, transitoriamente impedida de ser consultada em sede de consulta prévia pela entidade adjudicante.
Entretanto, o júri da segunda consulta prévia em curso prepara-se para propor à entidade adjudicante a adjudicação à proposta formulada por esta mesma entidade, entretanto impedida de ser consultada por aplicação do referido n.º 2 do artigo 113.º do Código dos Contratos Públicos.
Pode, não pode ou deve ser decidida a adjudicação à proposta da entidade?
Qualquer semelhança da situação descrita com um caso ficcionado é pura realidade
O enquadramento legal:
É o órgão competente para a decisão de contratar a quem compete escolher as entidades a convidar para a apresentação de propostas no procedimento de consulta prévia. Essa escolha – como qualquer escolha administrativa – deve ser fundamentada: ou seja, suportada em critérios objetivos e documentados (auditáveis).
Na realização dessa escolha – e independentemente dos motivos que justifiquem a seleção de determinada entidade em detrimento de outras – a entidade adjudicante não pode convidar para apresentar proposta um operador económico a quem tenha já adjudicado, no ano económico em curso e nos dois anos económicos anteriores, em consulta prévia, propostas para a celebração de contratos do mesmo tipo de valor igual ou superior a €75.000.
A formulação literal do artigo 113.º, n.º 2 do Código dos Contratos Públicos é a seguinte:
Não podem ser convidadas a apresentar propostas, entidades às quais a entidade adjudicante já tenha adjudicado, no ano económico em curso e nos dois anos económicos anteriores, na sequência de consulta prévia ou ajuste direto adotados nos termos do disposto nas alíneas c) e d) do artigo 19.º e alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo 20.º, consoante o caso, propostas para a celebração de contratos cujo preço contratual acumulado seja igual ou superior aos limites referidos naquelas alíneas.
O momento em que as entidades adjudicantes são convocadas a aferir o limite imposto pelo n.º 2 do artigo 113.º do Código dos Contratos Públicos é o da seleção das entidades a convidar, ou seja, aquando da tomada da decisão de contratar e autorização da despesa.
O nosso raciocínio:
A validade ou nulidade da decisão de contratar – autorização da despesa, escolha do procedimento, aprovação das peças e escolha das entidades a convidar – estará dependente da verificação dos requisitos legitimadores verificáveis no momento da decisão, no momento dessa escolha. É então aí que a entidade adjudicante avalia se um dado operador económico está ou não impedida de ser convidada por força da restrição do n.º 2 do artigo 113.º do Código dos Contratos Públicos.
Se o convite foi formulado em condições regulares – ou seja, porque a entidade convidada não estava impedida por força do disposto no referido artigo – fica a entidade adjudicante autovinculada à decisão tomada, não podendo recursar a adjudicação da proposta de tal operador económico caso, nesse momento subsequente, porventura, tenha já adjudicado prestações de montante igual ou superior a €75.000.
Simplesmente porque não existe uma causa ou um impedimento de adjudicação a quem tenha sido regularmente convidado. E um ato de recusa da adjudicação tem de estar fundamentado em requisito legal expresso e legitimado.
Note-se, porém, que na formulação do «caso» ficou claro e demonstrado que as as consultas prévias, embora realizadas de forma simultânea, compreendiam objetos próprios, autónomos e que não relacionados entre si. Tinham, portanto, autonomia e individualidade própria, justificativa de integração em diferentes contratos, próprios e e delimitados em função das respetivas especificidades.
Naturalmente que se a entidade adjudicante recorrer a uma construção de procedimentos autónomos, desencadeados de forma simultânea para a execução de prestações contratuais artificialmente segregadas, para conseguir convidar as mesmas entidades para diferentes consultas, poderá comprometer a validade da decisão da escolha das entidades a convidar e, nessa medida, a inquinar a legalidade da decisão de contratar.
É, por isso, sempre muito importante respeitar os princípios subjacentes às normas, a razão e a finalidade que lhes está subjacente, e não centrar a preocupação somente em elementos literais.
Porque pode até bater tudo certo com a letra da lei, mas, do ponto de vista substantivo, não bater a bota com a perdigota!

este assunto é muito importante e pertinente pelo que aguardo com muita expectativa e urgência o resto do artigo.
obrigada
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