Serviços jurídicos




Tem-se debatido recorrentemente se os serviços jurídicos constituem prestações que, por revestirem as caraterísticas previstas no artigo 27.º, n.º 1, b) do Código dos Contratos Públicos, legitimam o recurso ao ajuste direto.

O Tribunal de Contas, em Acórdão muito recente, veio sintetizar a jurisprudência que vem desenvolvendo sobre o assunto – e que entende estar reforçada na sequência de jurisprudência comunitária – nos termos seguintes:

  • Os serviços jurídicos não estão excluídos do Código dos Contratos Públicos e não há nenhuma norma que declare a aquisição de serviços jurídicos insuscetível de se subordinar a uma escolha concorrencial.
  • A aplicação da alínea b) do n.º 1 do artigo 27.º do Código dos Contratos Públicos implica que o objeto do contrato compreenda prestações não compatíveis com um nível de especificação ou precisão tal que inviabilize ou torne inadequada a definição, em abstrato, de qualidades das propostas e, por isso, não seja possível a fixação de um critério de adjudicação.
  • O recurso a especificações contratuais suficientemente precisas que permitam uma comparação e seleção de propostas é possível no âmbito dos serviços jurídicos, como o é para outras prestações de caráter intelectual.
  • Deve a entidade adjudicante definir as características do serviço. A partir daí, será possível estabelecer critérios de adjudicação, recorrendo a fatores e, eventualmente, subfatores, como seja a especialização na área científica pretendida.
  • Os elementos centrais referir-se-ão aos prestadores em si na relação com o objeto do contrato, dado terem um caráter decisivo na realização dessa prestação. No fundo, as qualidades a nível técnico-científico e de experiência do prestador ou dos membros que pretende afetar ao seu cumprimento têm um caráter essencial para a prestação em si.
  • Por esse motivo, a importância do curriculum técnico-científico do prestador em si – ou, tratando-se uma sociedade de advogados, dos curricula técnico-científicos dos advogados ou da equipa a afetar a essa tarefa – é decisiva.
  • A organização, qualificação e experiência do pessoal, quando a sua qualidade tenha um impacto significativo no nível de execução do contrato, como sucede com os serviços de natureza intelectual, é suscetível de constituir fator ou subfator de densificação do critério de adjudicação (artigo 75.º, n.º 2, b) do CCP).
  • É, assim, possível a ligação de critérios ligados à qualificação técnico-científica do prestador com critérios quantitativos de avaliação da proposta.
  • A existência de uma relação de confiança, decorrente de uma relação prévia ou em curso, não é critério suficiente. A relação de confiança em que se estrutura o serviço jurídico, que pode ter vertentes diversas, assumindo a forma de prestação de serviços, no âmbito da consultadoria, ou de mandato para representação do ente público, reveste uma vertente marcadamente objetiva na relação entre pessoas coletivas.
  • Se entre pessoas singulares a existência dessa relação subjetiva, pessoal, de caráter fiduciário é marcante, o mesmo não se verifica, ou assume uma intensidade muito menor, nas relações entre pessoas coletivas.
  • O aspeto essencial nesse caso é a capacidade técnico-jurídica na área específica em que se pretende o serviço do advogado ou da sociedade de advogados com quem se contratada. Essa capacidade está dependente, evidentemente, da própria capacidade, experiência e apuro técnico-jurídico dos advogados que a integram.
  • A confiança entre as partes tem aqui um caráter objetivo, dado que a confiança não pode basear-se numa exclusiva perceção subjetiva; ela deve surgir no contexto de procedimentos que salvaguardem outros valores e interesses.
  • Em conclusão, o recurso a critérios que permitam a comparação de proposta é compatível com a prestação de serviços jurídicos, como o é relativamente a outros serviços de natureza intelectual

Acórdão do Tribunal de Contas disponível aqui

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