Sanções contratuais

De acordo com o Regime Jurídico das Empreitadas de Obras Públicas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de março, e que vigorou antes do Código dos Contratos Públicos, o dono da obra apenas podia aplicar, ao empreiteiro, as chamadas multas contratuais, decorrentes de atrasos na execução da empreitada, até ao momento da receção provisória da obra (artigo 233.º, n.º 4 do dito diploma).

Entendia-se que, por força daquela limitação, a multa contratual tinha um efeito manifestamente compulsório.

As dificuldades de interpretação têm-se apresentado porque o Código dos Contratos Públicos, de facto, não compreende uma norma expressamente limitadora, em termos temporais, para a aplicação das sanções contratuais pecuniárias, como acontecia naquele anterior regime.

Com efeito, no Código dos Contratos Públicos, em nenhum momento se restringe a aplicação das sanções até ao momento da receção provisória da obra.

O Supremo Tribunal Administrativo debruçou-se sobre esta específica questão, entendendo, esquematicamente, o seguinte:

  • O artigo 403.º do Código dos Contratos Públicos disciplina a regulamentação aplicável aos atrasos na execução da obra, como se indica na respetiva epígrafe.
  • A leitura do conteúdo material das normas integradas naquele artigo aponta para a conclusão de que a finalidade do exercício do poder de aplicação da sanção contratual consiste em prevenir e sancionar o atraso na execução da obra por facto imputável ao empreiteiro, independentemente de esse atraso se verificar no início ou na conclusão da execução do contrato da empreitada.
  • Confirma-se que o Código dos Contratos Públicos não inclui qualquer norma delimitadora temporalmente para a aplicação das sanções contratuais, não sendo possível retirar do referido artigo 403.º um limite temporal para a aplicação das sanções correspondentes a factos ou situações anteriores.
  • Assim, «tendo o Código dos Contratos Públicos estabelecido um regime de aplicação de sanções contratuais em que não reproduziu o limite temporal anteriormente existente, não é difícil admitir que se pretendeu permitir que o dono da obra possa aplicar sanções contratuais, mesmo depois da receção provisória da obra, desde logo, por ser nessa altura que melhor se encontra para aferir do impacto que os eventuais atrasos no início, na execução ou na finalização da obra, possam ter produzido danos imputáveis ao empreiteiro e que justifiquem a aplicação de sanções, tal como previsto no n.º 1 do artigo 403.º do CCP».
  • Complementarmente – sustenta o Supremo Tribunal Administrativo – o Código dos Contratos Públicos prevê um regime compulsório próprio e específico, com tradução no artigo 372.º, que prevê uma sanção – aí sim – com um efetivo caráter preventivo, com uma função positiva, de estimular o correto cumprimento do contrato e não como mecanismo de ressarcimento de danos.
  • Porém, atualmente, a sanção contratual prevista no artigo 403.º do Código dos Contratos Públicospara o atraso na execução da obranão tem essa função primordialmente compulsória; antes a de possibilitar ao dono da obra sancionar o incumprimento do contrato por culpa do empreiteiro pelos danos sofridos com os atrasos de execução da obra.
  • O Supremo Tribunal Administrativo sublinha, ainda, que as sanções aplicadas ao abrigo deste específico normativo decorrem diretamente da lei, constituindo um poder-dever ope legis, a ser exercido pelo dono da obra quando verificados os respetivos pressupostos de incumprimento pelo empreiteiro, em defesa do interesse público assumido no cumprimento das prestações contratuais e enquanto garantia, de através do exercício desse poder sancionatório, existir o cumprimento do contrato que visa satisfazer a necessidade pública.
  • Tendo o Código dos Contratos Públicos regulado a matéria da aplicação das multas contratuais em contratos de empreitada de obras públicas de forma diferente, é possível extrair uma interpretação de que constituiu vontade do legislador do Código não manter o anterior regime de sanções contratuais, e, consequentemente, não manter o anterior limite da aplicação das sanções contratuais até à receção provisória da empreitada.
  • Nessa linha de raciocínio, a sanção contratual pecuniária deve poder-dever aplicar-se enquanto se mantiver em vigor o contrato, só cessando tal poder-dever quando o contrato deixar de produzir os seus efeitos.
  • E, na verdade, muitas vezes só depois de rececionada a obra e elaborada a conta final está o dono da obra em condições de avaliar se o atraso na conclusão dos trabalhos causou danos que justifiquem servir-se do mecanismo de liquidação dos prejuízos que o sistema de multas contratuais constitui e que, nessa fase da vida do contrato, é a única função que as multas podem desempenhar.

No fundo, no atual regime jurídico, a aplicação de sanções contratuais não assenta na única finalidade de compelir ao bom e pontual cumprimento do contrato e, por isso, um propósito compulsório, mas também uma finalidade  sancionatória, na aplicação de uma sanção-castigo, em consequência do incumprimento contratual ou legal por parte do empreiteiro.

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