Especificações técnicas

Apesar de as entidades adjudicantes terem uma ampla margem de apreciação no âmbito da formulação das especificações técnicas de um contrato, não podem, na sua estipulação, criar obstáculos injustificados à abertura dos contratos públicos à concorrência.

De facto, as peças do procedimento não podem prever requisitos que favoreçam operadores económicos específicos, devendo possibilitar-se, pelo contrário, a apresentação de propostas que reflitam a diversidade das soluções técnicas existentes no mercado.

O Supremo Tribunal Administrativo analisou recentemente precisamente um caso concreto em que estas dimensões foram equacionadas, no âmbito de um procedimento de aquisição de viaturas automóveis.

Nesse caso particular, o Tribunal entendendo que sendo legalmente admissível a existência de sociedades tendo por objeto a venda de automóveis multimarca, mal se compreenderia que os mesmos não pudessem concorrer a procedimentos conexos com a sua atividade comercial, sendo que a garantia é assegurada pelo fabricante.

Nesse caso particular, a restrição de participação no concurso internacional apenas a entidades titulares ou representantes de marcas fabricantes de automóveis a operar em Portugal, com isso impedindo a participação de outros operadores de setor automóvel como entidades que exerçam a atividade de venda de veículos novos multimarca, mas que não seja detentora ou representante de qualquer marca ou fabricante automóvel) limita o universo de interessados, sem qualquer justificação atendível”

O Tribunal considerou que uma das exigências específicas prevista nas peças do procedimento violava o princípio da concorrência, tal como decorre da parte final do n.° 4 do artigo 132.° do Código dos Contratos Públicos, dado que no âmbito de um concurso público internacional sem prévia qualificação de candidatos, está vedada a criação de obstáculos fictícios que tenham por mero objetivo, limitar a livre concorrência.

O concurso público é comummente assinalado como um procedimento aberto ou de acesso livre a todos os operadores económicos que atuam no mercado.

Ou seja, tendo sido adotado como procedimento o concurso público, a entidade adjudicante abdicou da apreciação da qualificação das empresas concorrentes, aceitando que ao concurso pudessem concorrer todos os operadores económicos com as habilitações legais para atuarem no mercado.

A consequência da inclusão, no programa do procedimento, de uma cláusula ilegal, como in casu sucedeu, é o seu afastamento da ordem jurídica, com todos os legais efeitos, o que implica a alteração dos termos do concurso.

E essa alteração pode repercutir-se em todos os concorrentes, mas também perante outros operadores económicos que possam não ter apresentado proposta, considerando a previsão da norma em causa, não podendo formular-se um juízo de prognose no sentido de que os concorrentes seriam exatamente os mesmos se a norma agora considerada ilegal não constasse do Programa do Procedimento

Estando-se em presença de um concurso público sem prévia qualificação, a restrição imposta em matéria de seleção/restrição de candidatos, mostra-se ilícita, por violação dos princípios da concorrência e da proporcionalidade, como decorre do artigo 1 .°-A, n.° 1 do Código dos Contratos Públicos.

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