Indemnização tributável em sede de IVA?
A reposição do equilíbrio financeiro do contrato, tratado de forma ampla e abrangente no artigo 282.º do Código dos Contratos Públicos, mas de forma particular para as empreitadas de obras públicas no artigo 354.º, é um instituto destinado a assegurar ao cocontratante particular o respeito da equação económico-financeira subjacente à base contratual, sempre que a mesma tenha sido colocada em crise.
A suspensão da execução da obra, a modificação forçada do plano de trabalhos, a imposição de condições de execução mais adversas, a proibição de utilização de uma área de estaleiro inicialmente admitida, a modificação objetiva do contrato, seja traduzida da substituição de materiais previstos, seja na modificação de métodos de execução ou do contexto e forma de realização dos trabalhos contratualmente previstos, se implicar maior dificuldade na execução da obra, com agravamento dos respetivos encargos, constitui o empreiteiro no direito à reposição do equilíbrio financeiro do contrato.
A reposição não se traduz, inevitável ou invariavelmente, na entrega ao cocontratante de um valor pecuniário. Pode consistir – como sublinha o n.º 3 do artigo 282.º – no reconhecimento de uma prorrogação do prazo de execução da prestação ou até de vigência do contrato, na revisão de preços, ou, então sim, na obrigação de prestar, pelo contraente público, um valor destinado a compensar a diminuição de receitas ou a mitigar o aumento de encargos com a execução do contrato.
Não raras vezes coloca-se a dúvida de saber se, devendo a reposição financeira do contrato ser assegurada através de uma quantia pecuniária, constitui tal compensação matéria tributável em sede de Imposto sobre o Valor Acrescentado: ou seja, e em linguagem corrente, determinar se à indemnização devida pelo contraente público acresce IVA!
O Supremo Tribunal Administrativo, sobre esta específica matéria, já considerou (Ac. STJ, processo n.º 01158/11, de 31-10-2012) que:
(i) Serão tributadas em sede de IVA as indemnizações que correspondam, direta ou indiretamente, à contrapartida devida pela realização de uma atividade económica, isto é, que visem remunerar a transmissão de bens ou a prestação de serviços;
(ii) Se as indemnizações sancionarem a lesão de qualquer interesse sem caráter remuneratório, porque não remuneram qualquer operação, antes se destinam a reparar um dano, não são tributáveis em IVA, na medida em que não têm subjacente uma transmissão de bens ou uma prestação de serviços.
Recorrendo a esta dicotomia jurisprudencial, importa, decididamente, ajuizar se a prestação pecuniária devida pelo contraente público ao contraente particular, como medida imposta pelo instituto da reposição do equilíbrio financeiro do contrato, constitui ou não, direta ou indiretamente, uma «contrapartida devida pela realização da atividade económica» e se o seu montante se destina a «remunerar a transmissão de bens ou serviços».
Atentando às diversas determinações do conceito de reposição do equilíbrio financeiro do contrato, presentes no artigo 282.º do Código dos Contratos Públicos, percebe-se que a reposição destina-se a «repor a proporção financeira em que assentou inicialmente o contrato», devendo ser calculada «em função do valor das prestações a que as partes se obrigaram», não podendo «colocar qualquer uma das partes em situação mais favorável que a que resultava do equilíbrio financeiro inicialmente estabelecido» (cfr. artigo 282.º, n.ºs 5 e 6).
Parece relativamente evidente que o obetivo do instituto da reposição do equilíbrio financeiro do contrato, quando assume uma expressão de prestação pecuniária, tem por objetivo central ajustar, adequar, equilibrar – reequilibrar – a contrapartida devida ao contraente particular pela prestação deste. No fundo, trata-se de reconhecer que o valor da prestação devida pelo contraente público – em virtude de facto a que deu causa – não pode ser o inicialmente fixado, há-de ser um outro, acrescido, por só esse novo valor fazer justiça aos pressupostos constitutivos do sinalagma contratual.
Nessa medida, repor o equilíbrio financeiro não mais é que repor a reciprocidade contratual nos termos exatos em que as partes outorgantes o pretenderam inicialmente, ajustando, alinhando e reequilibrando a remuneração dos serviços contratados. Por isso, esta prestação pecuniária – a que o legislador nunca denomina de “indemnização” – não se destina tipicamente a reparar a lesão de um dano, na dimensão específica da responsabilidade civil extracontratual, mas configura uma (parte da) contrapartida devida pela transmissão de bens ou prestação de serviços.
Nesta lógica, porque esta nova prestação pecuniária complementar corresponde, direta ou indiretamente, à contrapartida devida pela realização de uma atividade económica – a prestação contratualmente assumida pelo adjudicatário que tem de ser ajustada -, prestação essa que visa remunerar a transmissão de bens ou a prestação de serviços, tem de ser tributada em sede de Imposto sobre o Valor Acrescentado, em linha com a orientação jurisprudencial.
Só assim não será caso a prestação pecuniária venha a ser somente reconhecida e imposta em sede judicial, dado que existe norma especial, na alínea a), do n.º 6 do artigo 16.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, onde se esclarece que do valor tributável são excluídas as quantias recebidas a título de indemnização declarada judicialmente, por incumprimento total ou parcial das obrigações.