Peças do procedimento

Porque razão não «cumprimos» o artigo 43.º, n.º 2 do Código dos Contratos Públicos?

Um projeto deficiente e incompleto é uma aposta em erros, omissões, suspensões de frentes de obra, trabalhos complementares, prorrogações de prazo, indemnizações, perdas de financiamento, custos sociais, económicos, políticos e desgaste emocional para os intervenientes na obra!

Fica lançado o mote para o desenvolvimento da teia argumentativa e contra argumentativa: «o projeto não está completo», «o dono da obra não forneceu os dados de campo», «o empreiteiro é mau», «a fiscalização não presta», «o projetista é fraco».

A revisão do projeto, ou seja, a observação, verificação, teste e correção das especificações do projeto, não é – ou, melhor, não deveria ser considerado – um entrave à rápida contratação, nem um custo do empreendimento, mas antes e verdadeiramente uma oportunidade e uma garantia – tanto para o dono da obra, como para o projetista e mesmo para as entidades que se propõe executar a obra – de que o projeto dá resposta ao programa preliminar, conforma-se com os requisitos pretendidos pelo dono da obra, cumpre a regulamentação em vigor, obedece às determinantes das entidades licenciadoras, atinge os padrões de qualidade exigidos e está suficientemente concretizado e detalhado. Que é, em suma, exequível.

A revisão do projeto não deve ser vista como um contratempo para avançar com a obra, que inevitavelmente se atrasará, com custos para o erário público, mas antes um investimento técnico e financeiro na qualidade, perfeição e no controlo de custos da obra.

O legislador reconheceu a importância da revisão do projeto no artigo 43.º, n.º 2 do Código dos Contratos Públicos, logo em 2008, estipulando naquele preceito:

Quando a obra a executar assuma complexidade relevante ou quando sejam utilizados métodos, técnicas ou materiais de construção inovadores, o projeto de execução referido no número anterior deve ser objecto de prévia revisão por pessoa singular ou coletiva devidamente qualificada para a elaboração desse projeto e distinta do autor do mesmo.

A revisão de projeto, a partir da entrada em vigor do Código dos Contratos Públicos, passou a ser, para as entidades adjudicantes, não uma opção discricionária – fazer ou não fazer – mas sim vinculada sempre que, pelo menos, um dos requisitos legais se mostrasse preenchido: a complexidade relevante da obra e/ou a utilização de soluções inovadoras.

E o legislador elevou a importância da revisão do projeto em tais situações ao ponto crítico de sancionar a sua preterição com a nulidade do caderno de encargos, tal como se retira da alínea b), do n.º 8 do dito artigo 43.º.

Curiosamente, logo em 2009, o legislador concretizou, no artigo 18.º, n.º 2 da Lei n.º 31/2009, de 3 de julho, diploma que estabelece a qualificação profissional exigível aos técnicos responsáveis pela elaboração e subscrição de projetos, coordenação de projetos, direção de obra pública ou particular, determinando, a propósito das responsabilidades do dono da obra, que:

«Sempre que a obra a executar seja classificada na categoria iii ou superior, bem como naqueles casos em que o preço base, fixado no caderno de encargos, seja enquadrável na classe 3 de alvará ou em classe superior, o dono da obra pública deve garantir que o projeto de execução seja objeto de revisão por entidade devidamente qualificada para a sua elaboração, distinta do autor do mesmo.»

Em 2012, aquando da sétima alteração ao Código dos Contratos Públicos, introduzida pelo Decreto-Lei n.º 149/2012, de 12, de agosto, o legislador reformulou o teor do n.º 2 do referido artigo 43.º em harmonia com aquela determinação da Lei n.º 31/2009, de 3 de julho, concretizando os requisitos legais enformadores da obrigação da entidade adjudicante proceder à prévia revisão do projeto, passando a prever:

Quando a obra seja classificada, nos termos do n.º 7, na categoria iii ou superior, bem como naqueles casos em que o preço base, fixado no caderno de encargos, seja enquadrável na classe 3 de alvará ou em classe superior, o projeto de execução referido no número anterior deve ser objeto de prévia revisão por entidade devidamente qualificada para a sua elaboração, distinta do autor do mesmo.

Com esta reformulação, o legislador concretizou – agora diretamente no Código dos Contratos Públicos – os requisitos para a revisão obrigatória do projeto de execução compreendido no caderno de encargos de um procedimento de formação de contrato de empreitada de obras públicas, impondo-a quando:

(i) A obra seja classificada na categoria iii ou superior, nos termos da Portaria n.º 701-H/2008; ou

(ii) O preço base a fixar no caderno de encargos for enquadrável na classe 3 de alvará ou em classe superior (>332.000,00€).

Porém, o artigo 5.º daquele mesmo Decreto-Lei n.º 149/2012, de 12, de agosto, no seu n.º 3, baralhou a situação ao determinar que:

«A alteração ao n.º 2 do artigo 43.º do Código dos Contratos Públicos só produz efeitos a partir da entrada em vigor do diploma que estabeleça o regime aplicável à revisão do projeto de execução.»

Ou seja, a obrigação da revisão do projeto especificamente prevista no n.º 2 do artigo 43.º do Código dos Contratos Públicos, não se encontra ainda em vigor, por determinação do n.º 5 do Decreto-Lei n.º 149/2012, de 12 de agosto, só o passando a estar a partir do momento em que venha a ser criado um regime jurídico específico aplicável à revisão do projeto (embora, relativamente à mesmíssima obrigação, prevista no n.º 2 do artigo 18.º da Lei n.º 31/2009, de 3 de julho, nada tenha mudado…).

O que significa, então, que na falta de um regime específico de revisão do projeto, não estará ainda em vigor aquela concretização direta e vinculativa dos pressupostos específicos constitutivos da obrigação de revisão de projeto, mantendo-se aplicável a prescrição inicial do n.º 2 do artigo 43.º, de acordo com a qual a revisão de projeto deve ser feita «quando a obra a executar assuma complexidade relevante ou quando sejam utilizados métodos, técnicas ou materiais de construção inovadores».

As entidades adjudicantes que encaram a contratação pública como um dinâmico processo de circulação de «papéis» encontrarão, aqui, matéria suficientemente controvertida para dispensar repetidamente a revisão de projeto e alimentar a dialética justificativa para o descontrolo de prazos e custos.

Aquelas que, diferentemente, gerem empreendimentos públicos e encaram a fase de contratação pública como um instrumento fundamental dessa gestão, não deixam de apostar na revisão criteriosa dos projetos de execução, como instrumento indispensável à perfeição, tempestividade e controlo orçamental da obra, cumprindo a motivação presente no n.º 2 do artigo 43.º do Código dos Contratos Públicos.

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