Proposta

Não se fie no anexo I ….

«Para haver um contrato e como decorre do disposto no artigo 232.º do Código Civil é necessário, em primeiro lugar, um requisito relativo ao conteúdo: que haja um acordo entre as partes.

Em segundo lugar, um requisito de ordem formal: as declarações negociais têm de ser emitidas com a forma adequada.

Os contratos formam-se pela aceitação de uma proposta. Uma declaração pode ser qualificada como proposta contratual se reunir as seguintes características: se for completa, precisa, firme e formalmente adequada

Supremo Tribunal de Justiça, 2279/07.8TBOVR.C1.S1, 27/10/2011, http://www.dgsi.pt

Nos procedimentos de formação de contratos públicos, como especifica o n.º 1 do artigo 56.º do Código dos Contratos Públicos:

«A proposta é a declaração pela qual o concorrente manifesta à entidade adjudicante a sua vontade de contratar e o modo pelo qual se dispõe a fazê-lo».

Essa manifestação completa, precisa, firme e formalmente adequada da vontade negocial dos operadores económicas é, na generalidade dos casos, documentada através de diversos elementos – os documentos enunciados no artigo 57.º – que, por um lado, preenchem os aspetos submetidos à concorrência pelo caderno de encargos e, por outro, confirmam ou, pelo menos, não contrariam (ou não devem contrariar) os termos e condições fixos ali previstos.

Um dos documentos de apresentação obrigatória em todos os procedimentos de contratação é o anexo I ao Código dos Contratos Públicos.

O anexo I é uma declaração de princípio, através da qual o concorrente declara sob compromisso de honra que se obriga a executar o referido contrato em conformidade com o conteúdo do mencionado caderno de encargos, e relativamente ao qual aceita, sem reservas, todas as suas cláusulas. Assim, tem o concorrente de aceitar ou conformar-se com o clausulado do caderno de encargos, preenchendo, dentro dos limites definidos pelos parâmetros base, os aspetos livremente submetido à concorrência e traduzidos no critério de adjudicação.

Porém, esta declaração minutada, formatada e parametrizada de aceitação, sem reservas, do conteúdo do caderno de encargos e das suas cláusulas não constitui, para os concorrentes, um «salvo conduto» destinado a ultrapassar as declarações divergentes, contrárias, contraditórias, excecionantes, especializantes ou omitidas nas suas propostas.

É que a declaração de aceitação sem reservas do caderno de encargos não converte em não escritas as declarações contidas nas propostas que violem aspectos de execução do contrato não submetidos à concorrência!

Se existirem divergências entre declarações inscritas na proposta do concorrente – como, por exemplo, o prazo de execução da obra a executar, a especificação técnica do produto a fornecer ou a metodologia de execução do serviço a prestar – e a prescrição do caderno de encargos, não há anexo I que salve a proposta.

Em tal hipótese, a declaração genérica do anexo I dificilmente gozará da virtualidade de se sobrepor a uma declaração específica e concreta, precisa e exata que contrarie uma prescrição do caderno de encargos.

Do mesmo modo, recorde-se que a entidade adjudicante, suportada na alínea c), do n.º 1 do artigo 57.º do Código dos Contratos Públicos, pode pretender que os concorrentes se vinculem expressa e especificamente a termos ou condições do caderno de encargos não submetidos à concorrência e que os espelhem e concretizem em documentos que integrem a proposta.

Também nestes casos, se o concorrente não apresentar os termos ou condições exigidos no regulamento do procedimento, nem invocando o anexo I salvarão a proposta da exclusão, porque a isso impõe a alínea a), do n.º 2 do artigo 70.º do Código.

É assim imperativo que o concorrente, quando manifeste à entidade adjudicante a sua vontade de contratar e o modo pelo qual se dispõe a cumprir o caderno de encargos, seja cauteloso e apresente uma proposta clara, inequívoca, completa e vinculativa, não apenas constituída por por todos os documentos exigidos no convite ou no programa de procedimento, mas sobretudo por todas as declarações caracterizadoras da sua vontade negocial, avaliando criteriosamente se está a omitir alguma indispensável ou a declarar algo que afronta o caderno de encargos.

Fica uma sugestão: esquematize a sua vontade negocial, confronte-a com as declarações negociais que emitiu e audite os documentos que a traduzem. Depois, apresente a proposta mas, sobretudo… não se fie no anexo I…

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