E se o plano de trabalhos não indicar… todos os trabalhos?
O plano de trabalhos – ou programa de trabalhos, como se designava este instrumento ao abrigo do Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de março – compreende, fundamentalmente, três grandes instrumentos de gestão e controlo da empreitada:
- A ilustração da sequência e dos prazos parciais associados a cada uma das espécies de trabalhos (plano de trabalhos em sentido estrito);
- A programação e especificação dos meios, humanos e materiais, com que o empreiteiro se propõe executar as espécies de trabalhos (plano de mão de obra e plano de equipamentos);
- A projeção da realização dos pagamentos em função da projeção da execução dos trabalhos (cronograma financeiro).
Discute-se atualmente a questão de saber se deve, ou não, ser admitida uma proposta, em procedimento de formação de contrato de empreitada, cujo plano de trabalhos apresentado – documento obrigatório da proposta, independentemente do critério de adjudicação fixado pela entidade adjudicante – não cumpra os termos previstos no artigo 361.º do Código dos Contratos Públicos, conforme a exigência feita por remissão pelo artigo 57.º, n.º 2, alínea a) do mesmo Código.
Interessa, por isso, aferir qual o destino da proposta na hipótese de o plano de trabalhos apresentado com a proposta não prever todas as espécies de trabalhos previstas no mapa de trabalhos e quantidades integrado no caderno de encargos e/ou não indicar, para todas as espécies de trabalhos, os meios afetos, quer no cronograma temporal, quer no plano de mão de obra, quer no plano de equipamentos.
A jurisprudência administrativa tem salientado, reiteradamente, que a exclusão de uma proposta reduz a concorrência. Logo as hipóteses de exclusão das propostas devem ser reduzidas ao mínimo necessário, de forma a garantir o mais amplo possível leque de propostas.
Este mínimo necessário traduz-se precisamente em apenas permitir a exclusão nos casos expressos previstos na lei (tipificação dos casos de exclusão) e interpretar estas normas de forma restritiva e não extensiva e, menos ainda, analógica.
Também o Tribunal de Contas, num Acórdão muito recente (Acórdão n.º 23/2021, processo n.º 1446/2021), veio considerar, sinteticamente, o seguinte:
- A lei admite que o júri do procedimento possa pedir aos concorrentes qualquer esclarecimento sobre as propostas apresentadas que considere necessárias para efeitos de análise e avaliação das mesmas, desde que não contrariem os elementos constantes dos documentos que as constituem, não alterem ou complementem os respetivos atributos, nem visem suprir omissões que determinem a sua exclusão, nos termos previstos no artigo 70.º, n.º 2 do Código dos Contratos Públicos;
- As formalidades exigidas para a apresentação das propostas revelam um regime que a doutrina reconhece por vezes como exacerbado, o que recomenda ao intérprete um comedimento, e uma restrição, na sua aplicação, sob pena de se aplicar a forma pela forma, numa aplicação automática, sem atender à sua finalidade e à materialidade que visam alcançar;
- Um nível extremo de formalismo facilmente permite que propostas, eventualmente melhores para a aquisição dos bens ou serviços, sejam excluídas. O que prejudica tanto a concorrência, como o interesse financeiro do Estado;
- Quando estão em causa irregularidades formais – não materiais ou orgânicas – a aplicação da teoria das formalidades não essenciais aconselha, à luz da boa administração, que não se excluam propostas quando, não obstante a irregularidade, se mostre alcançada a materialidade que a formalidade visa alcançar.
Porém,
Os tribunais administrativos têm considerado que devem ser excluídas as propostas cujos planos de trabalhos não prevejam todas as espécies de trabalhos enunciadas no mapa de quantidades que integra o Caderno de Encargos.
De facto,
Nos procedimentos de formação de contratos de empreitada ou de concessão de obras públicas, a proposta deve ser acompanhada, como aponta o artigo 57.º, n.º 2, alínea b), do Código dos Contratos Públicos, por «um plano de trabalhos, tal como definido no artigo 61.º, quando o caderno de encargos seja integrado por um projeto de execução».
O plano de trabalhos «destina-se, com respeito pelo prazo de execução da obra, à fixação da sequência e dos prazos parciais de execução de cada uma das espécies de trabalhos previstas e à especificação dos meios com que o empreiteiro se propõe executá-los, bem como à identificação do correspondente plano de pagamentos». (cfr. artigo 361.º, n.º 1 do Código dos Contratos Públicos).
Da conjugação de todos estes preceitos decorre que se impõe – como sublinha o Supremo Tribunal Administrativo, em Acórdão de 14-06-2018 (processo n.º 0395/18, www.dgsi.pt) – a existência de uma adequação do plano de trabalhos apresentado no âmbito da proposta ao plano de execução traduzido no caderno de encargos, pois só assim este será respeitado.
De facto, só através desta adequação será possível – avança a jurisprudência – o controlo e a fiscalização do cumprimento dos prazos contratuais para efeitos de aplicação de eventuais sanções contratuais, a determinação da prorrogação do prazo de execução e ainda outros aspetos relacionados com eventuais trabalhos complementares.
Assim e nessa medida, o plano de trabalhos, no seu todo – planeamento de tarefas, planeamento de meios e planeamento dos pagamentos – deve ser pormenorizado e detalhado, em medida e alcance suficiente a não prejudicar ou impedir a aplicação das normas substantivas relacionadas com a execução do contrato.
Entendeu o Supremo Tribunal Administrativo, no citado Acórdão, que «um plano de trabalhos que não indica todas as espécies de trabalhos e, deste modo, também não indicou, em relação a cada espécie de trabalhos, os meios afetos (quer no cronograma temporal, quer no plano da mão de obra e no plano de equipamentos necessários) viola claramente o disposto nos artigos 361.º e 43.º do CCP».
Impõe-se, então, em cada caso, avaliar tecnicamente se o plano de trabalhos – cronograma temporal, plano de mão de obra e equipamentos – dá cumprimento integral ao disposto no artigo 361.º do Código dos Contratos Públicos, com as orientações traçadas pela jurisprudência e aqui reproduzidas, tendo sempre como critério de orientação o objetivo e razão de ser deste elemento de gestão:
O controlo e a fiscalização do cumprimento dos prazos contratuais para efeitos de aplicação de eventuais sanções contratuais, a determinação da prorrogação do prazo de execução e ainda outros aspetos relacionados com eventuais trabalhos complementares.