Peças do procedimento

Quando a simplicidade das prestações a contratar não é… manifesta!

O caderno de encargos é a peça do procedimento que contém as cláusulas a incluir no contrato a celebrar. O caderno de encargos é, portanto, o “projeto” do contrato, cujo conteúdo será integralmente concretizado na adjudicação, por incorporação das vinculações assumidas pelo adjudicatário.

O n.º 2 do artigo 42.º do Código dos Contratos Públicos aceita que «nos casos de manifesta simplicidade das prestações que constituem o objeto do contrato a celebrar, as cláusulas do caderno de encargos podem consistir numa mera fixação de especificações técnicas e numa referência a outros aspetos essenciais da execução desse contrato, tais como o preço e o prazo».

No caso das empreitadas de obras públicas de manifesta simplicidade, o prazo para a apresentação de propostas, em concursos públicos sem publicidade internacional, pode, aliás, ser reduzido até um prazo mínimo de seis dias, como admite o n.º 2 do artigo 135.º do Código dos Contratos Públicos.

Entende o Tribunal de Contas que:

«I- O legislador do Código de Contratos Públicos (CCP) quando se refere a “prestações” no art.º 42.º, n.º 2, do CCP, ou a “trabalhos” no art.º 135.º, n.º 2, do mesmo Código, em ambos os casos, refere-se às obrigações que decorrem do contrato a celebrar;

II- No artigo 135.º, n.º 2, do CCP, o legislador refere-se a “trabalhos” enquanto sinónimo de “prestações”, por aí se referir mais especificamente às obrigações (principais) que decorrem para os concorrentes de um contrato de empreitada de obras públicas;

III- O escopo de ambas as normas é flexibilizar a regra geral e permitir à entidade adjudicante adaptar os formalismos às circunstâncias concretas da contratação que, por natureza, não justifica a severidade da norma geral (constante do art.º 42.º, n.ºs 1, e 3 a 12 e do art.º 135.º, n.º 1 , do CCP);

IV- Porém, o legislador só permite o uso da norma excecional que vem prevista no art.º 42.º, n.º 2, do CCP, e a flexibilização das indicações constantes das cláusulas do Caderno de Encargos (CE), em situações em que se antevê que a não inclusão de todas as especificações técnicas, financeiras ou jurídicas não irá prejudicar a concorrência ou a comparabilidade das propostas;

V- Isto é, o uso da referida norma não pode pôr em causa a definição das regras técnicas, financeiras e jurídicas, essenciais e que parametrizam o procedimento, e um mínimo adequado quanto à informação que é prestada aos concorrentes;

VI- O uso da referida norma não pode, também, afastar os princípios da legalidade e o cumprimento das vinculações financeiras e orçamentais, que decorrem da legislação da contratação e de finanças;

VII- Este TdC só pode interpretar aquele conceito legal de forma não demasiado restrita e como equivalendo a uma “menor complexidade e especificidade do contrato adjudicado”, se estiver garantido que o Caderno de Encargos (CE) inclui as regras técnicas, financeiras, jurídicas e administrativas essenciais à regulação e à própria compreensão pelos concorrentes dos termos do contrato;

VIII- A menor complexidade do contrato adjudicado não se refere apenas aos aspetos técnicos do contrato, ou da obra, no caso da empreitada de obras públicas, mas a todos os aspetos contratuais, aqui se englobando, também, os de cariz jurídico, financeiro ou administrativo;

IX- Consequentemente, para a integração do conceito “manifesta simplicidade das prestações”, incluso no artigo 42.º, n.º 2, do CCP, importa a apreciação do tipo de trabalhos da empreitada, do valor e do prazo de execução dos contratos;

X- Uma empreitada que inclui um elenco de 1250 diferentes prestações ou trabalhos, algumas – ainda que residuais – de média complexidade, que se executará em várias escolas, geograficamente separadas, que não indica as quantidades requeridas para cada um dos trabalhos e exige que os empreiteiros se mantenham a garantir, durante 3 anos, de imediato, após requisição, a execução de trabalhos, não configura uma prestação que possa ser entendida como tecnicamente simples;

XI- A previsão no CE de que algumas das obras contratadas necessitam da apresentação das “peças desenhadas adequadas e necessárias” à sua “boa execução”, implica a aceitação de que para a execução dessas obras se exigia a apresentação de um projeto de execução;

XII- Um CE que não inclui uma quantificação, ainda que estimada, da maioria dos trabalhos a executar, por espécie de trabalhos e que não permite a aferição do preço a pagar pelo dono da obra e a receber pelo empreiteiro, é um CE que não garante a indicação dos “aspetos essenciais da execução do contrato” – cf. artigo 42.º, n.º 2, do CCP.

XIII- Essa circunstância, aliada ao valor expressivo dos contratos, afasta a subsunção da empreitada, em termos de prestações financeiras, no conceito de “manifesta simplicidade”.

XIV- A exigência de apresentação pelo empreiteiro, em cada requisição de trabalhos, da apresentação de um Esquema em Diagrama de faseamento da obra, detalhado, com escala de tempo e semana e sob a forma de gráfico de GANT, do Plano de Pagamentos, Cronograma Financeiro, Plano de Equipamento e Mão-de-Obra, Adenda ao Plano de Segurança e Saúde, Plano de Sinalização, afasta a subsunção da empreitada, em termos de prestações administrativas, no conceito de “manifesta simplicidade”.»

O Acórdão do Tribunal de Contas pode ser consultado aqui.

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