Antes de excluirmos a proposta, vamos… à Europa!
Resulta da alínea g) do n.º 2 do artigo 70.º do Código dos Contratos Públicos, que «são excluídas as propostas cuja análise revele (…) a existência de fortes indícios de atos, acordos, práticas ou informações suscetíveis de falsear as regras da concorrência».
A alínea d) do n.º 4 do artigo 57.º da Diretiva 2014/24/UE determina que «as autoridades adjudicantes podem excluir ou podem ser solicitadas pelos Estados Membros a excluir um operador económico da participação num procedimento de contratação (…) se a autoridade adjudicante tiver indícios suficientemente plausíveis para concluir que o operador económico celebrou acordos com outros operadores económicos com o objetivo de distorcer a concorrência».
O Supremo Tribunal Administrativo esmiuçou o alinhamento de ambas as disposições, considerando que «resulta evidente do teor do considerando 101 da Diretiva 2014/24/UE que, à luz do novo regime jurídico europeu, as autoridades adjudicantes devem poder excluir os operadores económicos que se revelem pouco fiáveis por violação das regras da concorrência».
Entende, porém, o Tribunal que esta possibilidade não está expressamente consagrada no Código dos Contratos Públicos!
Isto porque, afirma o Tribunal, a exclusão de um concorrente com fundamento em falta de fiabilidade por violação do direito da concorrência fora do procedimento parece apenas ser admitida nos termos previstos na alínea f) do n.º 1 do artigo 55.º do Código: por efeito, portanto, de uma condenação expressa por parte da Autoridade da Concorrência, que aplique a sanção acessória de proibição de participação em concursos públicos.
Ou seja,
O Supremo Tribunal Administrativo sublinha a dúvida sobre se a solução legal nacional – a prevista na alínea g) do n.º 2 do artigo 70.º – acolhe, efetivamente, a orientação das diretrizes europeias, que parecem «apontar para a necessidade de uma decisão autónoma, da entidade adjudicante, sobre a “fiabilidade” do concorrente».
Pergunta-se se «a fundamentação do ato de adjudicação (ou mais rigorosamente, da decisão implícita de não exclusão de um concorrente)», motivada pela circunstância de tal concorrente ter sido condenado por violação do direito da concorrência, mas em procedimento anterior, ainda que aberto pela mesma entidade adjudicante, se pode considerar suficiente (fundamentado).
Ou se, pelo contrário, tal condenação, só por si, não basta, sendo necessário que a entidade adjudicante formule também, no quadro do procedimento em concreto, um juízo autónomo sobre a “fiabilidade” do adjudicatário.
Assim,
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«(…) importa apurar se esta solução adotada pelo legislador nacional, segundo a qua a entidade adjudicante fica excluída de formular um juízo autónomo, no procedimento concursal, sobre a “fiabilidade” de um concorrente condenado por violação do direito da concorrência é conforme ao direito europeu».
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E essa conformidade terá de ser apreciada no plano da gravidade da infração e da sua projeção no concreto procedimento, também quanto à adequação, no âmbito do concreto procedimento, das medidas adotadas pela empresa sancionada para remediar as consequências da infração cometida e pela qual foi sancionada.
Sublinha o Supremo Tribunal Administrativo que «também esta avaliação do “self-cleaning” fica, à luz do direito nacional, integralmente a cargo de um juízo genérico da Autoridade da Concorrência».
Por isso, conclui, «a solução jurídica adotada pelo legislador nacional (…) parece não se coadunar com as exigências e preocupações do direito europeu expressas pela jurisprudência e vertidas na última Diretiva 2014/24/UE».
Retira, ainda, a partir da jurisprudência comunitária, a ideia fundamental de que:
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«(…) a violação das regras do direito da concorrência, fora do procedimento concursal em questão, constitui atualmente, segundo direito europeu, uma dimensão essencial do juízo sobre a “fiabilidade” do concorrente, que a autoridade adjudicante não pode deixar de formular por si no procedimento de modo devidamente fundamentado.
Ora, é isso que a lei portuguesa não contempla».
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E não o contempla seja quando:
- Remete exclusivamente para a Autoridade da Concorrência o juízo sobre as consequências que uma violação das regras da concorrência pode vir a ter no âmbito dos procedimentos concursais futuros em geral (artigo 55.º, n.º 1, alínea f) do Código dos Contratos Públicos);
- Confia exclusivamente àquela entidade o poder para avaliar os termos em que devem relevar as medidas de self cleaning adotadas, impedindo que a entidade adjudicante formule um juízo sobre a matéria no âmbito do concreto procedimento concursal em que a questão surja (artigo 55.º-A do Código dos Contratos Públicos).
Neste quadro de dúvidas interpretativas, o Supremo Tribunal Administrativo submeteu à apreciação do Tribunal de Justiça da União Europeia algumas questões, no quadro do reenvio prejudicial.
O Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo está disponível aqui.