Especificações técnicas

O risco do efeito discriminatório…

As especificações técnicas devem constar do caderno de encargos e permitir a igualdade de acesso dos operadores económicos aos procedimentos de contratação e não devem criar obstáculos injustificados à abertura dos contratos públicos à concorrência.

Tal como já se disciplinava no Decreto-lei n.º 59/99, de 2 de março – no artigo 65.º, n.ºs 5 e 6 – o Código dos Contratos Públicos, no seu artigo 49.º, proíbe a fixação de especificações técnicas no mapa de quantidades patenteado a concurso que façam referência a um fabricante ou proveniência determinadas, a um processo específico de fabrico, a marcas, patentes ou modelos.

Com efeito, como tem sublinhado a jurisprudência, a inclusão no caderno de encargos de menções que contrariem o estabelecido no artigo 49.º do Código dos Contratos Públicos, designadamente, as que, pela sua natureza, possam ter um efeito discriminatório e, portanto, impeditivo do livre acesso aos procedimentos adjudicatórios, prejudicando, consequentemente, a concorrência, poderá vir a afetar a validade do procedimento concursal.

O artigo 49.º do Código, no fundo, tem por objeto impedir que, direta ou indiretamente, se afaste a candidatura de empresas que não preencham determinados requisitos, violando-se, assim e abusivamente, o princípio da concorrência. Pretende-se, portanto, a participação dos concorrentes em condições de igualdade e a implementação do citado princípio da concorrência, impedindo, deste modo, o favorecimento ou prejuízo de certas empresas através da introdução de elementos discriminatórios no acesso aos concursos.

A existência das referidas menções – marcas, patentes, modelos e outras – só excecionalmente pode ser admitida, no caso de «não ser possível uma descrição suficientemente precisa e inteligível do objeto do contrato». Porém, em tais situações excecionais, a referência tem, necessariamente, de ser acompanhada da menção «ou equivalente».

Assinala o Tribunal de Justiça da União Europeia, no Acórdão proferido em 25/10/2018, no processo C-413/17- Roche Lietuva, que:


a regulamentação da União relativa às especificações técnicas reconhece uma ampla margem de apreciação à entidade adjudicante no âmbito da formulação das especificações técnicas de um contrato.

Esta margem de apreciação é justificada pelo facto de que são as entidades adjudicantes quem melhor conhece os fornecimentos de que necessita e quem está melhor posicionado para determinar os requisitos que devem estar preenchidos para obter os resultados pretendidos.

No entanto, a Diretiva 2014/24 estabelece determinados limites que a entidade adjudicante deve respeitar. Designadamente, exige-se no artigo 42.o, n.o 2, da Diretiva 2014/24 que as especificações técnicas permitam a igualdade de acesso dos operadores económicos ao procedimento de contratação e que não possam criar obstáculos injustificados à abertura dos contratos públicos à concorrência.”.



Na definição constante do Anexo VII da Diretiva 2014/24 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26/02/2014, entende-se por «Especificação Técnica»:


“No caso de contratos públicos de fornecimentos ou de serviços, uma especificação constante de um documento que define as características exigidas a um produto ou a um serviço, tais como os níveis de qualidade, os níveis de desempenho ambiental e climático, a conceção que preveja todas as utilizações (incluindo a acessibilidade por parte das pessoas com deficiência) e a avaliação da conformidade, o desempenho, a utilização do produto, a segurança ou as dimensões, incluindo as prescrições aplicáveis ao produto no que se refere ao nome sob o qual é vendido, a terminologia, os símbolos, os ensaios e métodos de ensaio, a embalagem, a marcação e rotulagem, as instruções de utilização, os procedimentos e métodos de produção em qualquer fase do ciclo de vida do produto ou serviço e os procedimentos de avaliação da conformidade. [n.º 1,b)]; também no Anexo VII do CCP.”


Esta problemática tem sido muito comum nos procedimentos de formação de contratos de empreitadas de obras públicas, dado que, não poucas vezes, os mapas de trabalhos e quantidades que integram o caderno de encargos contém a referência mormente a marcas, sem a expressão «ou equivalente», admitindo a legítima interpretação – na generalidade das vezes errónea – que a entidade adjudicante impõe aos concorrentes a obrigação de fornecer material de marcas específicas.

O Tribunal de Contas há muito que vem sinalizando que a inclusão de marcas comerciais, desacompanhadas da menção “ou equivalente”, constitui circunstâncias com aptidão para afetar, negativamente, a concorrência e, assim, propiciar a alteração do resultado financeiro do contrato, sobretudo quando, depois de formuladas recomendações nesse sentido, elas não são atendidas pela entidade adjudicante.

A recorrência da verificação da referência a marcas, nos mapas de trabalho e quantidades, desacompanhados da dita expressão «ou equivalente» resulta, geralmente, da circunstância de tal peça técnica ser elaborada pelo projetista, responsável pela conceção do projeto de execução, e não consubstancia uma vontade real, cerceadora e concorrencialmente limitadora, da entidade adjudicante.

Subsequentemente, muitas vezes, tal vício não é oportunamente detetado aquando da revisão do projeto. Por isso, a preterição da expressão «ou equivalente» não tem por base uma vontade inequívoca da entidade adjudicante, mas antes e sim de um quase lapso administrativo.

Pode, por isso, ser útil e prevenido incluir, no mapa de trabalhos e quantidades, uma indicação genérica, aplicável a todos os artigos, assegurando que se, por lapso, no descritivo de algum artigo, constar a referência a fabricantes ou proveniências determinadas, a um processo específico de fabrico, a marcas, patentes ou modelos, desacompanhadas da expressão «ou equivalente», deve, invariavelmente, ser considerada como incluída tal expressão, com os efeitos extensivos a todo o articulado.

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