Omissão de preço unitário | Condição ou sem remuneração?
Quando pretende adjudicar uma empreitada de obra pública, a entidade adjudicante exige obrigatoriamente aos concorrentes a apresentação de uma lista de preços unitários de todas as espécies de trabalhos previstas no projeto de execução, como impõe o n.º 2 do artigo 57.º do Código dos Contratos Públicos.
O projeto de execução – elemento central do caderno de encargos do procedimento de formação do contrato de empreitada – compreende as medições e os mapas de quantidade de trabalhos, dando a indicação da natureza e da quantidade dos trabalhos necessários para a execução da obra. O projeto de execução é, igualmente, acompanhado pelo orçamento, estimativa essa baseada precisamente nas quantidades e qualidades de trabalho constantes das medições.
A lista de preços unitários representa, portanto, a proposta de preço dos concorrentes ao mapa de trabalhos e quantidades que integra o projeto de execução, que, por sua vez, constitui parte do caderno de encargos, este, uma peça do procedimento. Caso não sejam admitidas propostas variantes – como vulgarmente acontece – os concorrentes têm, em princípio, liberdade na indicação dos preços unitários reportados a cada uma das espécies de trabalho, não gozando do poder de, unilateralmente, modificar o descritivo do trabalho, nem a quantidade associada.
Salvo se tiverem sido fixados parâmetros base relativos aos preços unitários, podem os concorrentes atribuir, a cada um dos tipos de trabalhos enunciados no mapa, os valores unitários que entenderem mais adequados para a prossecução dos seus objetivos no procedimento.
Nada parece impedir os concorrentes de atribuir a um ou a mais tipos de trabalhos, como valor remuneratório, zero. O zero é um algarismo e não deixa de desempenhar um papel central na matemática como identidade aditiva dos números inteiros, dos números reais e de muitas outras estruturas algébricas. Nessa medida, o zero, associado a um tipo de trabalho, assumirá uma representatividade própria e possível – a pretendida pelo concorrente – para o apuramento do preço total final, que constitui, por norma, um atributo da proposta, nos termos do n.º 2 do artigo 56.º do Código dos Contratos Públicos e, portanto, matéria de avaliação de mérito.
Se o concorrente associa ao específico tipo de trabalho o valor zero é porque, na estrutura de preço que concebeu, considera-se adequadamente remunerado pela margem de rentabilidade específica dos demais preços contratuais e, nessa medida, pela economia global da proposta, constituindo o preço final, sublinhe-se, um instrumento de estratégia empresarial dos operadores económicos.
Potencialmente mais problemática será a omissão na lista de preços unitários de um valor – um preço unitário – para um dado tipo de trabalho constante no mapa de trabalhos e quantidades. A problemática é apenas potencial dado que a situação pode não oferecer especial dificuldade quando o preço unitário omitido constitui, de per si, um atributo da proposta.
De facto, se a entidade adjudicante estabeleceu o preço unitário a apresentar pelo concorrente como aspeto submetido à concorrência pelo caderno de encargos, convidando os concorrentes a preencher esse espaço “em aberto” na disciplina contratual com uma característica, um atributo, um preço, a ser objeto de avaliação à luz do critério de adjudicação, a ausência de indicação de um valor numérico pelo concorrente determinará, inevitavelmente, a exclusão da proposta: a proposta não apresentará, em tal hipótese, um atributo exigido, não podendo transitar da fase de análise para a fase de avaliação (cfr. artigo 70.º, n.º 2, alínea a) do Código dos Contratos Públicos)
Diferentemente, se o preço unitário omitido não constituiria um atributo da proposta (por não se destinar a responder a um aspeto submetido à concorrência pelo caderno de encargos), suscita-se a dúvida relativamente ao sentido de acordo com o qual deve ser interpretada “essa” declaração do concorrente. Na generalidade das vezes, a omissão deve-se a um erro na declaração por parte do concorrente, a um esquecimento inadvertido na indicação do preço unitário. Porém, esta não deixa de ser uma presunção, uma intuição da entidade adjudicante.
Será que o concorrente efetivamente se esqueceu de indicar um preço unitário? Será que o concorrente pretendeu conscientemente não apresentar um preço unitário? Se o concorrente efetivamente se esqueceu de indicar um preço unitário, será que a proposta errónea ainda traduz a vontade real do seu autor ou, pelo contrário, o erro, pela sua essencialidade, constitui um vício que compromete a validade da declaração? Ou será que o concorrente não se pretende, de facto, vincular à execução daquele específico trabalho e, por isso, não lhe associou um valor?
Importa, por isso, esclarecer: aferir se a preterição do preço unitário constitui o resultado de um erro na declaração ou uma manifestação de vontade informada e, neste caso, se tal omissão voluntária e consciente deve ser interpretada de forma literal – a intenção de não associar qualquer preço unitário – leitura consentida pelo artigo 238.º do Código Civil, ou se deve considerar-se implícita uma intenção de não dar execução ao trabalho, o que sempre constituiria uma condição à proposta, inadmissível, portanto.
Pragmaticamente: «sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida» (cfr. artigo 236.º, n.º 2 do Código Civil).
Porque o motivo que levou à omissão não se apresenta claro nem evidente, não será de admitir que a entidade adjudicante proceda à correção oficiosa da proposta, nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 72.º do Código dos Contratos Públicos. Poderá, isso sim, por ser avisado, solicitar um esclarecimento ao concorrente, nos termos do n.º 1 do aludido artigo, no sentido de se proceder à clarificação e explicitação da preterição. Aliás, o princípio da prossecução do interesse público determina, precisamente, que se promova ao necessário esclarecimento, com o objetivo de não colocar em causa o quadro concorrencial e de comparabilidade por mero desconhecimento da razão que levou o concorrente a não indicar um preço unitário.
Esclarecer é clarificar, concretizar mas não completar, nem modificar a proposta. Assim, em respeito pelo princípio da intangibilidade das propostas, os concorrentes não podem proceder à sua correção ou melhoria, nem aditar-lhe elementos novos.
Por exemplo, se o concorrente, em sede de esclarecimentos, indicar que não inseriu o preço unitário porque não pretende executar aquele trabalho específico, ou que pretende, agora, atribuir um preço unitário porque não admite a execução do trabalho sem um preço unitário associado, a sua proposta será objeto de exclusão por incorporar uma condição.
O Tribunal de Contas tem, recorrentemente, em sede de fiscalização prévia de contratos públicos, quando o preço unitário omitido não constitui um atributo da proposta, visado contratos formados em procedimento em que foi prestado pelo concorrente (e adjudicatário) um esclarecimento à omissão de um preço unitário, no sentido da execução do trabalho sem preço unitário associado.