Modificações pretendidas pelo dono da obra e as discordância do projetista
Obras protegidas
Consideram-se «obras», para efeitos da proteção ditada pelo Código dos Direitos de Autor e dos Direitos Conexos (CDADC), as criações intelectuais do domínio literário, científico e artístico, de qualquer modo exteriorizadas, independentemente, portanto, do respetivo suporte.
As ideias, os processos, os sistemas, os métodos operacionais, os conceitos, os princípios ou as descobertas não são, por si só e enquanto tais, protegidos nos termos do Código. Sublinhe-se que, para os efeitos da proteção legal, a obra é independente da sua divulgação, publicação, utilização ou exploração.
As criações intelectuais protegidas compreendem, entre outras, os projetos, esboços e obras plásticas respeitantes à arquitetura, ao urbanismo, à geografia ou às outras ciências.
O direito de autor abrange direitos de caráter patrimonial e direitos de natureza pessoal (morais). Na dimensão do conteúdo patrimonial, o autor tem o direito exclusivo de dispor da sua obra e de fruí-la e utilizá-la, ou autorizar a sua fruição ou utilização por terceiro, total ou parcialmente. Independentemente dos direitos patrimoniais, e mesmo depois da transmissão ou extinção destes, o autor goza de direitos morais sobre a sua obra, nomeadamente o direito de reivindicar a respetiva paternidade e assegurar a sua genuinidade e integridade.
Titularidade do direito de autor
A titularidade do direito de autor relativo a obra feita por encomenda determina-se de acordo com o que tiver sido convencionado. Assim o diz o n.º 1 do artigo 14.º do Código dos Direitos de Autor e dos Direitos Conexos.
É por recurso a esta liberdade conformadora que se torna oportuno fixar nos cadernos de encargos referentes à aquisição de projetos a prescrição seguinte: «todos os projetos elaborados pelo projetista, no âmbito da execução do contrato, são propriedade do contraente público que, dessa forma, adquire o conteúdo patrimonial dos respetivos direitos de autor».
Está na disponibilidade do titular do conteúdo patrimonial do direito de autor transmitir ou onerar, no todo ou em parte, o conteúdo patrimonial do direito de autor sobre a obra (cfr. artigo 40.º, n.º 1 CDADC). Sublinhe-se, adicionalmente, que só o dito conteúdo patrimonial é suscetível de negócio jurídico, dado que não podem ser objeto de transmissão nem oneração os poderes concedidos para a tutela dos direitos morais (cfr. artigo 42.º CDADC).
A mais das vezes, os contraentes públicos, quando pretendem executar uma obra pública, encomendam – a partir do programa preliminar onde definem os objetivos, as características e o orçamento do empreendimento – a realização de um projeto de arquitetura (e especialidades), que vai sendo desenvolvido em conformidade com o faseamento predisposto pela Portaria n.º 701-H/2008, de 29 de julho.
Aquela portaria estabelece o conteúdo obrigatório do programa e do projeto de execução, instruções para a elaboração de projetos e classificação de obras por categorias.
Pode, porém, dar-se o caso de estar já elaborado e totalmente concluído o projeto de execução, cuja titularidade do respetivo conteúdo patrimonial integre a esfera do projetista ou até, eventualmente, de um terceiro (dado que o conteúdo moral do direito de autor é intransmissível).
Nesse cenário, pode o contraente público celebrar, com o titular do conteúdo patrimonial do direito de autor do(s) projeto(s), um contrato de transmissão total e definitiva precisamente do conteúdo desse direito, autorizando, por via do artigo 44.º do Código dos Direitos de Autor e dos Direitos Conexos, a utilização dos planos, estudos e elementos de solução da obra.
Direito de autor do projeto de arquitetura
O autor de uma obra de arquitetura, de urbanismo ou de design, como se disse, tem a sua criação protegida pelo Código dos Direitos de Autor e dos Direitos Conexos.
Também neste plano, o direito de autor abrange direitos de caráter patrimonial e direitos de natureza pessoal (morais). No exercício do conteúdo patrimonial, o autor tem o direito exclusivo de dispor da sua obra e de fruí-la e utilizá-la, ou autorizar a sua fruição ou utilização por terceiro, total ou parcialmente. Independentemente dos direitos patrimoniais, e mesmo depois da transmissão ou extinção destes, o autor goza de direitos morais sobre a sua obra, nomeadamente o direito de reivindicar a respetiva paternidade e assegurar a sua genuinidade e integridade.
Por força do artigo 60, n.º 1 do CDADC, o autor de projeto de arquitetura ou de obra plástica executada por outrem e incorporada em obra de arquitetura tem o direito de fiscalizar a sua construção ou execução em todas as fases e pormenores, de maneira a assegurar a exata conformidade da obra com o projeto de que é autor.
Alterações ao projeto ou à obra edificada pelo dono da obra
Nos termos do n.º 2 daquele artigo 60.º, quando edificada segundo um projeto, o dono da obra não pode, durante a construção nem após a conclusão, introduzir na obra alterações sem consulta prévia ao autor do projeto, sob pena de indemnização por perdas e danos.
Efetuada essa consulta prévia – que se traduz, não necessariamente em contratar o projetista, mas em ouvi-lo sobre as modificações pretendidas – o dono da obra pode, ainda que o autor do projeto não esteja de acordo com as alterações pretendidas, introduzi-las na obra arquitetónica.
Nesse caso, o autor do projeto tem o direito a desvincular-se do projeto inicial, renegando a paternidade da obra alterada. Se o fizer, o dono da obra fica imediatamente impedido de invocar, para o futuro, em proveito próprio ou de terceiro, o nome do autor do projeto inicial como autor do projeto a que alude a obra edificada (e agora alterada).
Apesar de não decorrer de forma expressa do normativo legal, alguma jurisprudência vai reconhecendo ao autor do projeto que vêm a obra modificada sem o seu consentimento o direito a uma compensação por danos de natureza não patrimonial, isto é, danos morais, não sendo, ainda assim, pacífica tal orientação, precisamente por não ter enquadramento direito no preceito legal, como se pode ver:
Artigo 60.º | Modificações do projeto arquitetónico
1 – O autor de projeto de arquitetura ou de obra plástica executada por outrem e incorporada em obra de arquitetura tem o direito de fiscalizar a sua construção ou execução em todas as fases e pormenores, de maneira a assegurar a exata conformidade da obra com o projeto de que é autor.
2 – Quando edificada segundo projeto, não pode o dono da obra, durante a construção nem após a conclusão, introduzir nela alterações sem consulta prévia ao autor do projeto, sob pena de indemnização por perdas e danos.
3 – Não havendo acordo, pode o autor repudiar a paternidade da obra modificada, ficando vedado ao proprietário invocar para o futuro, em proveito próprio, o nome do autor do projeto inicial.
Em todo o caso, reitere-se, o dono da obra não está obrigado a adjudicar ao autor do projeto os serviços de elaboração do projeto de alteração à obra edificada, podendo lançar mão de um novo procedimento para a elaboração de um projeto novo. De facto, não é o autor do projeto titular do direito subjetivo a que lhe sejam adjudicadas as modificações do projeto.
As obrigações recíprocas entre profissionais, designadamente no caso de um arquiteto ser encarregado de elaborar um projecto integrado em obra ou parte de obra da autoria de outro arquitecto anteriormente contratado para o efeito, constitui domínio deontológico disciplinado pelas respetivas ordens profissionais.
Metodologia a observar pelo dono da obra para alterar a edificação
Sempre que pretenda implementar alguma alteração a uma obra erigida de acordo com um projeto relativamente ao qual terceiro seja titular de direito de autor – que só caduca 70 anos após a morte do autor, salvo norma específica -, deve o dono da obra, antes de executar a obra, proceder a uma consulta ao autor do projeto inicial, que se traduzirá:
(i) No envio do novo projeto ao autor do projeto inicial para conhecimento;
(ii) Solicitação de emissão de pronúncia sobre o novo projeto, observações que podem, ou não, ser tomadas em consideração.