Estaremos a celebrar contratos nulos sem o sabermos?
O artigo 55.º do Código dos Contratos Públicos elenca, de forma típica, as circunstâncias que, uma vez verificadas, impedem os operadores económicos de serem candidatos, concorrentes ou de integrarem agrupamentos candidatos ou concorrentes a procedimentos de formação de contratos públicos.
Estes «motivos de exclusão» prendem-se com a verificação e comprovação de circunstâncias relacionadas com a pessoa do operador económico, sejam elas de natureza tributária, contributiva, relacionados com a honestidade profissional, solvabilidade ou fiabilidade, tidas como suficientemente gravosas para comprometer, a priori, a boa execução do contrato público a celebrar.
Do elenco dos impedimentos enunciados no referido normativo legal, causas há que impedem a celebração de qualquer contrato público, independentemente da entidade adjudicante e do contexto específico do procedimento pré-contratual: será o caso, designadamente, de o operador económico não ter a sua situação tributária ou contributiva regularizada ou o caso de lhe ter sido aplicada alguma das sanções acessórias previstas nas alíneas do n.º 1 do artigo 55.º do Código dos Contratos Públicos.
Já outro tipo de impedimentos relacionam-se, direta e indissociavelmente, com a específica entidade adjudicante que se encontra a promover o procedimento – será, por exemplo, o caso da verificação de conflitos de interesses a que alude a alínea k) – ou com o procedimento concreto de formação do contrato público – a que alude a alínea i), que determina a impossibilidade da celebração do contrato caso o operador económico tenha prestado assessoria na elaboração das peças do procedimento, com vantagem concorrencial.
O Decreto-Lei n.º 111-B/2017, de 31 de agosto, introduziu diversas alterações ao Código dos Contratos Públicos, uma das quais se concretizou na inclusão de um novo impedimento à celebração dos contratos e que se prende com o incumprimento ou o cumprimento defeituoso, por parte dos operadores económicos, na execução de, pelo menos, um contrato público.
Por força da alínea l), do n.º 1 do artigo 55.º, os candidatos ou concorrentes que tenham acusado deficiências significativas ou persistentes na execução de, pelo menos, um contrato público, executado num período temporal que se concretiza entre a data da habilitação e os três anos que a antecedem, ficam impedidos – ficando a entidade adjudicante igualmente impedida em relação a eles – de celebrar o contrato público em formação.
O normativo, em concretização do impedimento, exige que o incumprimento ou o cumprimento defeituoso verificado na execução do dito «contrato público anterior», tenha conduzido a uma das situações seguintes:
(i) A resolução sancionatória do contrato por incumprimento definitivo, nos termos previstos no artigo 333.º, n.º 1, alínea a) do Código dos Contratos Públicos;
(ii) Ainda que o contraente público não tenha optado pela resolução do contrato, o incumprimento por parte do operador económico tenha determinado o pagamento de uma indemnização, de modo a ressarcir os danos sofridos;
(iii) A aplicação de sanções contratuais pecuniárias, nos termos do artigo 329.º do Código dos Contratos Públicos;
(iii) A aplicação de quaisquer outras sanções de sentido, objetivo e efeito equivalentes e que se mostrem especificamente prescritas no caderno de encargos ou, eventualmente, em legislação especial.
Assim, verificada que se mostre, em fase de habilitação, alguma das enunciadas situações – e salvo se puder relevar o impedimento, nos termos do artigo 55.º-A – está a entidade adjudicante obrigada a «impedir» a celebração do contrato, declarando a caducidade da adjudicação.
Trata-se, portanto, de uma causa de exclusão motivada por conduta contratualmente repreensível do operador económico, geradora de dano para o erário público. O comportamento contratual recente desse operador tornou-o inidóneo para a celebração do contrato, não sendo aceitável, salvo existindo a referida causa de relevação, que possa aceder a dinheiros públicos, através da contratação pública, e dela retire proventos.
Por estar proibida por lei, a celebração do contrato com operador económico impedido constitui fundamento de nulidade, podendo gerar responsabilidade financeira para os gestores públicos que, em sua aplicação, autorizem pagamentos.
O legislador foi cauteloso na formulação do impedimento, reportando-se a deficiências na execução de, pelo menos, um contrato público. Ao contrário do que fez em relação a outros impedimentos – designadamente na alínea j), onde associa o impedimento à entidade adjudicante em concreto – no caso da deficiência da performance contratual, o impedimento parece vincular todas as entidades adjudicantes, e não apenas aquela específica e concreta entidade adjudicante que celebrou o contrato incumprido.
De facto, podendo circunscrever o impedimento à esfera da entidade adjudicante lesada pelo comportamento contratual do operador económico, o legislador, pela formulação utilizada, parece centrar o impedimento na salvaguarda da boa aplicação dos dinheiros públicos, independentemente do tipo, natureza ou especificidades da entidade responsável por gerí-los ou aplicá-los.
Assim, a deficiente performance num dado contrato público, preenchendo os requisitos da alínea l), do n.º 1 do artigo 55.º, gera impedimento em relação a qualquer contrato público e, naturalmente, a qualquer entidade adjudicante, com a consequente nulidade dos contratos celebrados com desconsideração de tal proibição legal.
Não existindo uma plataforma de livre acesso que partilhe informação atual e fidedigna, de forma fácil e imediata, relativa à performance dos operadores económicos, designadamente que permita – ou imponha – às entidades adjudicantes o registo transparente dos atos administrativos integradores do impedimento (seja a resolução do contrato, seja a aplicação de sanções contratuais), é altamente provável que, por desconhecimento informativo, muitas entidades adjudicantes estejam a celebrar contratos com operadores impedidos ao abrigo da alínea l), do n.º 1 do artigo 55.º do Código dos Contratos Públicos.