Entre a discricionariedade e a arbitrariedade: o controlo judicial
A entidade adjudicante pode declarar a caducidade da adjudicação em fase de habilitação do adjudicatário (artigo 86.º do Código dos Contratos Públicos), aquando da prestação da caução (artigo 91.º), no momento da confirmação de compromissos (artigo 93.º), no momento da outorga do contrato (artigo 105.º) e quando se verificar a ocorrência superveniente de circunstâncias que inviabilizem a celebração do contrato (artigo 87.º-A).

Em todas as assinaladas circunstâncias, a entidade adjudicante exerce um poder discricionário, não atuando no uso de poderes estritamente vinculados.
De facto, é à entidade adjudicante que cabe emitir o juízo sobre a imputabilidade ao adjudicatário, por exemplo, da não apresentação atempada dos documentos de habilitação ou da não prestação tempestiva da caução, em face das razões por este invocadas para o incumprimento verificado.
Essa imputabilidade – como recentemente confirmou o Supremo Tribunal Administrativo – deve averiguar-se em face das circunstâncias do caso concreto e corre se o adjudicatário atuou com culpa, ou seja, se não cumpriu os deveres de cuidado, prudência e diligência a que estava adstrito para evitar a caducidade.
Está hoje assumido pela jurisprudência que a imputabilidade do adjudicatário na caducidade é determinada não apenas pelo dolo na conduta, mas também pela mera culpa.
A caducidade da adjudicação suporta-se, portanto e antes de mais, num dado facto: o adjudicatário, por exemplo, não apresentou os documentos de habilitação, não prestou a caução ou não compareceu à outorga do contrato no prazo fixado.
Constado o facto integrador da hipótese geradora da caducidade, a entidade adjudicante não declara imediata e automaticamente a caducidade, uma vez que se lhe impõe apreciar a conduta do adjudicatário, aferindo em que medida terá ele atuado com a diligência que lhe era exigível atendendo ao circunstancialismo do caso concreto.

Não obstante a decisão a proferir pela entidade adjudicante – declarar, ou não, a caducidade da adjudicação – inscrever-se no exercício de poderes discricionários, não deixa a decisão que vier a ser tomada de ser sindicável judicialmente.
Este é reconhecidamente «um controlo jurisdicional mais débil do que o controlo judicial que pode ser exercido sobre o uso de poderes vinculados pela Administração. Controlo judicial sobre a atividade discricionária da Administração que se foi impondo ao longo dos tempos e que hoje em dia se aceita não ser apenas um controlo de legalidade limitado à questão da legitimidade do autor do ato e à vinculação do seu fim (a prossecução do interesse público a que a Administração está adestrita).»
Trata-se, então, de controlar também se foram observados os princípios gerais da atividade administrativa – como os da igualdade, da imparcialidade, da justiça e da boa-fé – o controlo sobre a verificação ou não de erros sobre a matéria de facto e as exigências relativas à fundamentação do ato.
Nesse julgamento da discricionariedade, aceita-se já que o controlo judicial não incide somente sobre o ato final, mas também sobre todo o procedimento prévio à sua adoção.
Da discricionariedade à arbitrariedade é um instante: um pequeno passo para a Administração, um gigantesco tombo nos Tribunais!
Informação recolhida e tratada a partir do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, 0523/13.4BECTB, de 20-02-2020, disponível em http://www.dgsi.pt