Força Maior

Coronavírus | do caso imprevisto à força maior

O Código dos Contratos Públicos estabelece a disciplina aplicável à contratação pública e o regime substantivo dos contratos públicos que revistam a natureza de contrato administrativo. E, na prossecução das suas atribuições ou dos seus fins, os contraentes públicos podem celebrar quaisquer contratos administrativos, salvo se outra coisa resultar da lei ou da natureza das relações a estabelecer (artigo 278.º).

Também os contratos administrativos – em homenagem ao princípio geral consagrado no artigo 406.º do Código Civil devem ser pontualmente cumpridos, e só podem modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei.

«Há factos que sendo estranhos à vontade dos contraentes e imprevistos no momento da celebração do contrato não impedem a sua execução: tornam-na, apenas, tão onerosa que o devedor só poderá cumprir à custa de um sacrifício extraordinário e, porventura, da ruína». São os vulgarmente chamados imprevistos. (1)

«O caso imprevisto será, por conseguinte, o facto estranho à vontade dos contraentes que, determinando a modificação das circunstâncias económicas gerais, torna a execução do contrato muito mais onerosa para uma das partes do que caberia no risco normal do contrato» (1)

O Código dos Contratos Públicos responde a este cenário através do instituto da reposição do equilíbrio financeiro do contrato, previsto genericamente no artigo 282.º: o cocontratante (só) tem direito à reposição do equilíbrio financeiro quando, tendo em conta a repartição do risco entre as partes, o facto invocado como fundamento desse direito altere os pressupostos nos quais o cocontratante determinou o valor das prestações a que se obrigou, desde que o contraente público conhecesse ou não devesse ignorar esses pressupostos.

A reposição do equilíbrio financeiro é efetuada, designadamente, através da prorrogação do prazo das prestações ou da vigência do contrato, da revisão de preços ou de compensações financeiras.

Mas podem dar-se circunstâncias invencíveis, inultrapassáveis, objetiva e radicalmente impossíveis de contornar ou superar. Nesse cenário, existirá uma impossibilidade de cumprimento por causa não imputável ao devedor, como resulta do n.º 1 do artigo 790.º do Código Civil.

«O caso de força maior (ou act of God, na sugestiva terminologia anglo-saxónica) consiste no facto imprevisível e estranho à vontade dos contraentes que impossibilita absolutamente o cumprimento das obrigações contratuais. (2)

À semelhança do que sucede no direito civil, a impossibilidade em causa pode ser temporária ou definitiva e total ou parcial. Os casos de força maior levam, não à alteração do contrato, mas antes à suspensão da sua eficácia (nos casos de impossibilidade temporária) ou à extinção do contrato (se a impossibilidade for definitiva ou levar ao desinteresse completo do credor).» (2)

Parece consensual na doutrina que «verifica-se um caso de força maior quando, em virtude de circunstâncias imprevisíveis e alheias à pessoa dos cocontratantes, o cumprimento das obrigações contratuais se torna absolutamente impossível. Estamos, portanto, na presença de uma situação muito semelhante à do caso imprevisto: só que, enquanto este onerava ou dificultava significativamente a prestação contratual, o caso de força maior torna-a objetiva e radicalmente impossível. (3)

São estes os requisitos da força maior do contrato administrativo: alheia à pessoa dos contraentes, imprevisibilidade e impossibilidade objetiva de cumprimento. (3)

Daí resulta que, também ao contrário do que acontece com o facto imprevisto, o caso de força maior tem por efeito liberar o cocontratante da prestação a que se comprometera perante a Administração». (3)

Estando todas as organizações – entidades adjudicantes ou não – a implementar planos de contingência organizacional para enfrentar a pandemia declarada pela Organização Mundial de Saúde, e sem prejuízo do evidente respeito pela escala de valores em causa, o cenário que se vive atualmente aumentou significativamente o risco de maior onerosidade e dificuldade na execução das prestações contratuais por parte dos operadores económicos, não se podendo descortinar a eventualidade de se gerar um cenário de extinção de obrigações contratuais por preenchimento dos pressupostos do caso de força maior.

A prudência na gestão jurídica da atividade económica aconselha a projeção de cenários prováveis e hipotéticos, definindo uma escala de risco e indicando as respetivas medidas mitigadoras, definindo soluções alternativas, replaneando intervenções, reafetando meios, avaliando, em qualquer dos casos, as prováveis implicações na execução física e financeira dos contratos públicos.

Pode valer a pena preparar planos de contingência para a atividade.

(1) Marcelo Caetano, Manual de Direito Administrativo, Tomo I, 10.ª edição, Almedina, Coimbra, 2011, páginas 623 e seguintes. (2) Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, Volume II, 2.ª edição, Almedina, Coimbra, 2011, páginas 649 e 650. (3) Mário Esteves de Oliveira, Direito Administrativo, Volume I, Almedina, Coimbra, 1980, página 718

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