Análise de propostas

Não se iluda!!! o esclarecimento de dúvidas não é o mesmo que preencher lacunas ou superar contradições…

«O júri do procedimento pode pedir aos concorrentes quaisquer esclarecimentos sobre as propostas apresentadas que considere necessários para efeitos de análise e avaliação das mesmas». Assim reza o n.º 1 do artigo 72.º do Código dos Contratos Públicos.

É natural que o júri, no processo de análise e avaliação das propostas, sinta a necessidade de aclarar algum aspeto da proposta, explicitar um compromisso, clarificar algum elemento que está ou possa parecer estar enunciado de modo pouco claro, ou de não ser apreensível.

E isso acontecerá, para que o esclarecimento possa ser atendível, sempre que a dúvida se prenda com a interpretação de um elemento ou aspeto da proposta que, não obstante a incerteza, ainda assim tenha, nesta, uma normal e razoável correspondência verbal.

Os tribunais administrativos têm, do mesmo modo, considerado como admissível que a entidade adjudicante proceda à correção ou consideração oficiosa de propostas de concorrentes admitindo a sanação de correções de pormenor ou a retificação de erros manifestos, de cálculo, de escrita ou outros constantes da proposta, nos termos do artigo 249.º do Código Civil, sem exigir para o efeito, quer o consentimento prévio, quer o assentimento posterior por parte dos respetivos concorrentes.

De facto, explicou já a jurisprudência, que se a proposta tem um «lapsus calami» ostensivo e se é absolutamente seguro o que, na vez do que aí se escreveu, se pretendera escrever, deve o júri aceitar a retificação da proposta à luz do princípio geral de direito acolhido no referido artigo 249.º do Código Civil, abstendo-se de propor a exclusão dela, sem que isso viole os princípios da estabilidade das propostas ou da concorrência.

Mas se o lapso não for evidente e existir alguma dificuldade na interpretação da proposta, a norma contida no artigo 72.º do Código dos Contratos Públicos habilita o júri a solicitar esclarecimentos aos concorrentes, integrando-se o conteúdo dos esclarecimentos nas propostas, formando o conjunto das declarações negociais a vontade “descortinada” do concorrente.

Evidentemente, em cumprimento dos princípios da transparência, igualdade e imparcialidade, não serão considerados os esclarecimentos que contrariem, alterem os documentos que constituem as propostas, ou sejam prestados para suprir omissões que fundamentariam a sua exclusão.

O artigo 72.º não pode servir para remendar ou melhorar a proposta, preencher lacunas e omissões ou suprir contradições, mas somente para aclarar ou fixar o sentido de algum elemento menos apreensível, desde que não altere o conteúdo da proposta ou os elementos que com ela tenham sido juntos e dela façam parte integrante.

E se, por exemplo, dos elementos de uma proposta resultarem prazos de execução da prestação principal diferentes, contraditórios, conflituantes? Pode o concorrente esclarecer?

Poder, pode… mas o conteúdo do esclarecimento, provavelmente, não se limitará a dilucidar uma dúvida, a clarificar uma incerteza; neste caso, a contradição será somente superada a partir da redefinição do compromisso do concorrente, o que representará necessariamente uma inovação na declaração: a confirmação de um prazo e a negação de outro!

Neste caso hipotético, o recurso ao artigo 72.º do Código dos Contratos Públicos implicaria conceder a possibilidade ao concorrente alterar ao conteúdo da sua proposta ou dos elementos que com ela tenham sido juntos e dela façam parte integrante.

Em síntese:

(1) O júri do procedimento pode – e, por vezes, deve – pedir esclarecimentos aos concorrentes, não precisando de o fazer se o lapso for evidente, ostensivo, caso em que deve corrigi-lo oficiosamente;

(2) Os esclarecimentos dos concorrentes destinam-se, apenas, a aclarar, explicitar algum elemento da proposta, desde que exista, para a dúvida, uma normal e razoável correspondência verbal no texto, fazendo, doravante, parte integrante das mesmas;

(3) Os esclarecimentos não integrarão o conteúdo das proposta se contrariarem, alterarem ou suprirem omissões que determinariam a exclusão das propostas, sendo inadmissíveis;

(4) Um pedido de esclarecimento ou um esclarecimento feitos em termos ilegais devem ter-se por não escritos, não constituindo, «de per si», suporte para a admissão ou exclusão da proposta.

Em conclusão:

Apesar de todas as dúvidas geradas na praxis da contratação pública, das orientações da doutrina e da intervenção da jurisprudência na matéria, e muito provavelmente por causa delas, o Decreto-Lei n.º 111-B/2017, de 31 de agosto, que introduziu a última grande revisão ao Código dos Contratos Públicos, veio uniformizar e consolidar, de forma clara e autónoma, a obrigação do júri do procedimento de proceder à retificação oficiosa de erros manifestos de escrita ou de cálculo contidos nas candidaturas ou propostas e a possibilidade de solicitar o esclarecimento de dúvidas.

Mas não a integração de lacunas ou a superação de contradições Nestes casos, portanto, não há que pedir qualquer esclarecimento! Assunto arrumado… por agora…

Deixe uma Resposta

Preencha os seus detalhes abaixo ou clique num ícone para iniciar sessão:

Logótipo da WordPress.com

Está a comentar usando a sua conta WordPress.com Terminar Sessão /  Alterar )

Facebook photo

Está a comentar usando a sua conta Facebook Terminar Sessão /  Alterar )

Connecting to %s