O cumprimento, a mora e o incumprimento definitivo
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O interesse e a importância da fixação nos cadernos de encargos que integram os procedimentos de formação de contratos de empreitadas de obras públicas de critérios para aferir o incumprimento definitivo do contrato pelo empreiteiro, por referência ao interesse público inerente à obra.
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Subjacente ao regime legal estabelecido no Código dos Contratos Públicos, para prevenir e punir os atrasos na execução das empreitadas de obras públicas, por confronto com aquilo que ficou definido no plano de trabalhos, está a preocupação de assegurar, na medida do possível, a execução da obra no prazo contratado.
Daí que a lei presuma que o prazo final proposto ou definido não irá ser respeitado se o empreiteiro não for observando a ordem, o prazo e o ritmo a que se comprometeu através do plano de trabalhos.
O contraente público tem o poder e o dever de agir no sentido de prevenir a ofensa do interesse público decorrente do incumprimento do contrato. Por isso, tem-se entendido que a opção pela resolução do contrato, como sanção correspondente ao seu incumprimento, não deve ter lugar em resultado de meros atrasos na concretização do plano de trabalhos.
A resolução sanção é uma medida jurídica que, só por si e em princípio, não convém a qualquer das partes, pelo que só deve ter lugar quando, em face do interesse público a realizar, surge como a única e derradeira via, a ultima ratio.
Para a resolução operar com segurança em resultado do incumprimento do(s) prazo(s) de execução do contrato é necessário que o incumprimento ponha razoavelmente em risco a conclusão da obra no prazo contratado. Há atrasos que serão recuperáveis. Portanto, só os atrasos irrecuperáveis podem dar lugar à rutura contratual.
Em tal cenário, existirá um incumprimento definitivo da prestação pelo empreiteiro por facto a ele imputável, nos termos do disposto na alínea a), do n.º 1 do artigo 333.º do Código dos Contratos Públicos.
Em sede de execução de empreitadas de obras públicas, atenta a relevância deste tipo contratual, o legislador tipificou, no artigo 405.º do Código dos Contratos Públicos, diversas hipóteses que habilitam o dono da obra a resolver o contrato a título sancionatório, com fundamento em incumprimento definitivo pelo empreiteiro.
Uma dessas situações mais significativas é a prevista na alínea f) do seu n.º 1: o dono da obra pode desencadear a resolução sancionatória do contrato caso a obra evidencie, de forma reiterada, desvios face ao plano de trabalhos em vigor, quando este plano é já fruto de modificação destinada a recuperar atrasos acumulados.
A resolução do contrato, para operar nos termos da alínea f), do n.º 1 do artigo 405.º do Código dos Contratos Públicos, tem portanto de que estar fundada num incumprimento definitivo do contrato, o que, nos termos gerais de direito, pressupõe que:
- As prestações em causa não são de natureza fungível e, portanto, só podem ser prestadas pelo cocontratante;
- Em virtude do incumprimento pelo cocontratante, as prestações em falta tornaram-se de impossível realização,
ou
- Porque o contraente público deixou de ter interesse na prestação, o que se justificará mormente se for viável, ao dono da obra, assegurar a obtenção daquela prestação por intermédio de terceiro em menor tempo e de modo mais eficaz do que seria assegurada pelo empreiteiro executante da obra.
O incumprimento definitivo do contrato pressupõe a verificação e a demonstração de factos que apontem, indubitavelmente, para a perda do interesse do credor.
Na gestão dos contratos de empreitada de obras públicas, o incumprimento definitivo pode ser de difícil aferição, já que a linha divisória entre as diversas formas de incumprimento (o incumprimento definitivo, a mora e o cumprimento defeituoso) pode nem sempre ser de fácil perceção.
Nessa medida, poderá revestir-se da maior utilidade a definição, pelo contraente público, nos cadernos de encargos que enformam os procedimentos de contratação de empreitadas de obras públicas, de critérios que permitam configurar os incumprimentos definitivos.
Caso se objetive contratualmente o incumprimento definitivo, mais clara será a aferição e qualificação da prestação do empreiteiro e melhor fundamentada estará a opção pela resolução sancionatória do contrato de empreitada.
Por exemplo:
«Considera-se verificado o incumprimento definitivo do contrato de empreitada quando, decorridos 2/3 do prazo de execução da obra, estejam somente executados …% dos trabalhos da empreitada, por facto imputável ao empreiteiro»
«Considera-se verificado o incumprimento definitivo do contrato de empreitada se no dia …… de ……. de ….. não estiverem, ainda, total e perfeitamente executados, por facto imputável ao empreiteiro, os trabalhos seguintes ………………..»
«Considera-se verificado o incumprimento definitivo do contrato de empreitada se ocorrer um atraso na conclusão da obra, imputável ao empreiteiro, superior a 1/40 do prazo de execução da obra»