A eficácia retroativa do contrato: uma abordagem esquemática
O artigo 287.º do Código dos Contratos Públicos, em matéria de eficácia do contrato, determina, como princípio gera, que “a plena eficácia do contrato depende da emissão dos atos de aprovação, de visto, ou de outros atos integrativos da eficácia exigidos por lei, quer em relação ao próprio contrato, quer ao tipo de ato administrativo que eventualmente substitua, no caso de se tratar de contrato com objeto passível de ato administrativo”.
No n.º 2 do preceito legal, o legislador admite que as partes atribuam eficácia retroativa ao contrato “quando exigências imperiosas de direito público o justifiquem, desde que a produção antecipada de efeitos:
a) Não seja proibida por lei;
b) Não lese direitos e interesses legalmente protegidos de terceiros; e
c) Não impeça, restrinja ou falseie a concorrência garantida pelo disposto no presente Código relativamente à [fase] de formação do contrato”.

De facto, a regra geral em direito é a de que os atos e contratos devem dispor para o futuro, admitindo-se como exceção a sua retroatividade.
Sobre esta matéria, o Tribunal de Contas contextualizou a exceção da eficácia retroativa nos termos seguintes:
“(…) num processo de contratação pública a adjudicação constitui um ato administrativo que encerra o procedimento de seleção do contratante particular, só ela exprimindo a inequívoca vontade de contratar, vinculando a entidade adjudicante e conferindo ao concorrente preferido a legítima expectativa da celebração do contrato nos termos legais.
Na realidade, antes da adjudicação, que culmina o processo de escolha, não é possível saber, com segurança, que haverá um contrato e que uma dada entidade será a adjudicatária.
Para além disso, num processo concorrencial, assumir que uma determinada entidade poderia iniciar a prestação de serviços antes de ser escolhida ofenderia, além do mais, princípios fundamentais de imparcialidade, concorrência e igualdade e lesaria os direitos e interesses legalmente protegidos dos restantes concorrentes ao procedimento de contratação.
Acresce que só no ato de adjudicação se fixa o montante da despesa, se confirma a disponibilidade de verba orçamental para a suportar e se obtém a competente autorização para a sua realização, requisitos financeiros indispensáveis para que se possa assumir o compromisso contratual.
Assim, e nos termos do disposto no invocado artigo 128.º, n.º 2, alínea a), do CPA, antes desse ato de adjudicação não é possível dar por verificados pressupostos essenciais do contrato e da realização dos serviços a que ele se destina, como sejam a certeza de que pode haver um contrato, o seu conteúdo, a identificação da entidade que deve prestar os serviços e a autorização para a realização da correspondente despesa.
Deste modo, sem prejuízo da necessária apreciação casuística das circunstâncias próprias de cada situação, em procedimentos de contratação pública, não há, em princípio, possibilidade de atribuir eficácia retroativa aos contratos, com referência a uma data anterior à da correspondente adjudicação, por antes dela não se verificarem os pressupostos indispensáveis da contratação”.
Acórdão n.º 14/09 – 31.MAR – 1ªS/PL do Tribunal de Contas
Como situação excecional que é, a eficácia retroativa do contrato terá de estar bem fundamentada na prossecução do interesse público, mostrando-se documentalmente evidenciado o cumprimento dos requisitos enunciados nas alíneas do n.º 2 do citado artigo 287.º do Código dos Contratos Públicos.
A fragilidade na fundamentação da eficácia retroativa do contrato pode gerar a conclusão de que o contrato não está precedido de real procedimento concorrencial – e, apenas, de uma aparência de procedimento – em prejuízo, claro, dos interesses financeiros públicos assumidos nas normas de natureza financeira.
E a violação de normas financeiras constitui igualmente fundamento de recusa de visto, previsto na alínea b) do nº 3 do artigo 44º da Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas.