Quando a cessão da posição contratual não estava nos nossos planos!
Se a revisão ao Código dos Contratos Públicos ditada pelo Decreto-Lei n.º 111-B/2017, de 31 de agosto, acabou com a dicotomia entre trabalhos a mais e suprimento de erros e omissões, no capítulo das modificações objetivas em particular, a Lei n.º 30/2021, de 21 de maio, foi mais longe, eliminando do artigo 370.º a referência a circunstâncias não previstas e a circunstâncias imprevisíveis.
Na nova orientação, a natureza das circunstâncias que exige a execução de trabalhos de espécie ou quantidade não prevista no contrato – os trabalhos complementares – não parece relevante, assumindo-se como critério de decisão a perturbação que, na obra, pode ser gerada pela mudança de cocontratante.
Porém, no decurso do processo legislativo, um momento houve – seguramente que sim e, porventura, pode ser descortinado nos diferentes projetos que foram sendo conhecidos – em que o artigo 370.º manteria como relevante a aferição da natureza da circunstância a exigir a execução de um trabalho complementar.
Sabemo-lo porque o n.º 9 do artigo 318.º- A do Código dos Contratos Públicos, na revisão avançada pela referida Lei n.º 30/2021, de 21 de maio, especifica que «a cessão de posição contratual» imposta por incumprimento do cocontratante «constitui uma circunstância imprevisível para efeitos do disposto na subalínea ii) da alínea c) do n.º 2 do artigo 370.º».
A subalínea ii) da alínea c) do n.º 2 do artigo 370.º do Código dos Contratos Públicos… não existe, como é bom de ver.
Com toda a probabilidade, quando congeminou este normativo específico, o legislador atirou-se à ideia de que a cessão de posição contratual imposta pelo contraente público – atendo o incumprimento do seu cocontratante – poderia gerar a necessidade de trabalhos contratualmente não previstos, trabalhos esses necessários a assegurar a continuidade da gestão contratual, agora com execução por outro operador económico.
Estaria, nesse caso, o legislador a considerar que, à luz do princípio pactua sunt servanda, o incumprimento contratual consubstancia uma circunstância imprevisível para a parte não inadimplente.
Ora, tendo desaparecido do artigo 370.º a referenciação a circunstâncias não previstas e a circunstâncias imprevisíveis, como se viu, a remissão traçada pelo n.º 9 do artigo 318.º – A do Código dos Contratos Públicos perde-se no vácuo.
Na Declaração de Retificação n.º 25/2021, publicada no Diário da República n.º 140/2021, Série I, em 21 de julho de 2021, o legislador lima esta aresta da Lei n.º 30/2021, de 21 de maio, fazendo desaparecer o dito n.º 9 e, com isso, os resquícios à… natureza das circunstâncias…