Quando uma imagem não vale por mil palavras!
O Supremo Tribunal Administrativo, em 27-07-2021, sumariou, com interesse, que:
«Se o caderno de encargos apenas exige a descrição escrita das características e das especificações técnicas das peças de mobiliário a fornecer, não é de excluir uma proposta, com fundamento na alínea b) do n.º 2 do artigo 70.º do CCP, que cumpre essa descrição escrita mas ilustra-a com fotografias dos bens a fornecer não de todo coincidente com a mesma»
Na situação concreta, a entidade adjudicante promoveu um concurso público para a aquisição de mobiliário, tendo optado por diferenciar as propostas, para efeitos de adjudicação, exclusivamente pelo fator preço.
O caderno de encargos determinava que o fornecedor estava obrigado a entregar os bens que eram objeto do contrato com as características, especificações e requisitos técnicos previstos no anexo A ao programa do concurso.
Determinava-se ali, também, que tais bens, após a entrega, seriam sujeitos a uma inspeção, quantitativa e qualitativa, com vista a verificar se essas características, especificações e requisitos técnicos mostravam-se cumpridos.
A proposta do concorrente que veio a ser o adjudicatário compreendia a declaração de aceitação do conteúdo do caderno de encargos, a indicação dos preços unitários e do preço global, mas estava acompanhada de uma ilustração da descrição escrita com fotografias.
Note-se que na declaração do Anexo I ao programa do concurso, o concorrente asseverou, na fórmula normalmente utilizada e sob compromisso de honra, que «(…) se obriga a executar o referido contrato em conformidade com o conteúdo do referido caderno de encargos (…)».
Numa outra declaração, dizia, ainda, que «se compromete, para todos os produtos que fazem parte deste concurso público, cumprir, na íntegra, todas as características e pormenores técnicos solicitados no caderno de encargos».
Em esclarecimentos prestados à proposta, o concorrente reafirmou o «compromisso de cumprimento de todas as características e especificações técnicas solicitadas, no caderno de encargos, sem quaisquer condicionantes».
O júri admitiu a proposta e a entidade adjudicante procedeu à adjudicação.
As instâncias jurisdicionais julgaram verificado o vício de violação de lei, considerando que a proposta em causa deveria ter sido excluída porque:
«pese embora reproduza as exigências do caderno de encargos relativamente a todas as características, especificações e requisitos técnicos previstos no Anexo A (…), apresenta fotografias, das peças do mobiliário a fornecer, que não cumprem essa mesa descrição»
Consideraram, ainda, que:
«(…) a proposta da adjudicatária contém termos e condições em violação de aspetos do caderno de encargos não submetidos à concorrência, e tinha de ser excluída com base na alínea b) do n.º 2 do artigo 70.º do CCP»
Entenderam, também, que o relatório final do júri, neste particular, não se encontrava adequadamente fundamentado, vício esse contaminador do ato de adjudicação, uma vez que tal relatório não justificaria a irrelevância da discrepância existente entre a referida descrição e as fotografias do bens a fornecer.
Porém,
O Supremo Tribunal Administrativo considerou que «a proposta continha o documento constituído pelo mapa de preços unitários e características técnicas das várias peças de mobiliário a fornecer» e que, «relativamente à descrição escrita de cada uma delas não ocorria qualquer imparidade ou incumprimento das especificações exigidas (…)».
Ajuizou que:
«não existia, portanto, discrepância entre a descrição dos bens feita na proposta e a formulada, e imposta, no Anexo A do caderno de encargos.
Existia, sim, (…) entre essa descrição escrita das peças de mobiliário e de algumas fotografias das mesmas»
Mas sinalizou que «as fotografias dos bens a fornecer não eram de modo algum uma exigência do programa de concurso, nem do caderno de encargos, surgindo, antes, na proposta (…) como uma ilustração da descrição de bens da inteira iniciativa» do concorrente.
Para o Tribunal, documento integrador da proposta era o mapa de preços unitários e as características técnicas das peças de mobiliário a fornecer, e sobre ele deveria incidir, como incidiu, a análise e avaliação do júri.
Não tendo as fotografias sido exigidas, teriam elas sempre um valor subalternizado à descrição escrita. E isso significa, portanto, que:
«as fotografias dos bens, não sendo exigidas pelo CE, e tendo sido aditadas pelo concorrente com intuito acrescente, não integram “termos ou condições” violadores de aspetos da execução do contrato a celebrar não submetidos à concorrência.
Não justificavam, assim, a exclusão da proposta (…) ao abrigo do artigo 70.º, n.º 2 alínea b) do CCP (…)»
Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 0983/20.4BEBRG, de 27-07-2021
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