Qual é a margem de liberdade para a fixação de requisitos técnico-financeiros?
«É pacificamente aceite caber à entidade adjudicante a definição dos termos do concurso e a fixação dos critérios que o enformarão por essa tarefa constituir uma competência sua, reservada, inserida na margem de livre apreciação ou das prerrogativas de avaliação de que dispõe.
Como também se não discute que esse poder não pode ser usado arbitrariamente visto a liberdade de que a entidade adjudicante dispõe para esse efeito lhe ter sido concedida para melhor defender o interesse público e não para, injustificadamente, afastar do procedimento uma parte dos potenciais interessados».
Por isso, «(…)o poder discricionário, enquanto margem de livre atuação, em virtude de ser um poder fundado na lei, só pode ser exercido dentro dos limites por ela traçados, desde logo, os decorrentes dos princípios gerais da contratação pública e, bem assim, da atividade administrativa».
O concurso limitado por prévia qualificação pode ser escolhido pelas entidades adjudicantes, ao abrigo do artigo 18.º do Código dos Contratos Públicos, figura que se encontra regulada nos artigos 162.º a 192.º do mesmo diploma legal.
Trata-se de um procedimento a que só podem ter acesso quem preencha os requisitos mínimos de capacidade técnica e financeira estabelecidos, os quais, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 164.º, n.º 1, alíneas h) e 165.º, n.º 1, ambos do Código dos Contratos Públicos, devem ser «adequados à natureza das prestações objeto do contrato a celebrar».
«Neste tipo de procedimento, a entidade adjudicante pode, assim, logo à partida, afastar uma parte dos potenciais interessados ao concurso, não só porque este modelo de procedimento o permite, mas também porque a escolha de determinados requisitos técnicos e financeiros têm essa consequência lógica.
Por esse motivo, a legislação nacional, designadamente, o artigo 38.º do Código dos Contratos Públicos, e europeia, designadamente, artigos 18.º e 58.º, da Diretiva 2014/24, exigem que tais poderes sejam usados de forma criteriosa e fundamentada, assim se pretendendo evitar que por via disso se incorra em violações não desejadas dos princípios da concorrência, da proporcionalidade, da igualdade e da imparcialidade, invalidantes do procedimento».
Por ser assim, as entidades adjudicantes, previamente à escolha do procedimento, embora possam e devam realizar uma ponderação valorativa de todos os requisitos que se propõe elencar como condição do acesso ao mesmo, não podem, no entanto, eleger requisitos sem base racional e sem fundamento legal, que se apresentem como um injustificado entrave à concorrência, na medida em que sejam aptos a afastar eventuais interessados num cumprimento satisfatório do contrato.
«Só desse modo se garante que a escolha do procedimento e os requisitos do seu acesso estejam de acordo com a lei e contribuam para a real satisfação do interesse público».
Não raras vezes, os requisitos mínimos de qualificação técnica enunciados nos concursos limitados por prévia qualificação revestem-se de exigências reportadas às habilitações académicas e/ou profissionais dos recursos humanos a afetar à execução das prestações que integram o objeto do contrato.
Essas exigências, em sede de requisitos mínimos da capacidade técnica, devem ser bem ponderadas e adequadamente alinhadas com o quadro legal aplicável e a complexidade própria e específica do objeto do contrato, atenta, como se disse, à restrição que representa no acesso do mercado à adjudicação do contrato.
Por tais motivos, têm as entidades adjudicantes, na ponderação de interesses e no exercício da sua liberdade administrativa de conformação das peças do procedimento, de concatenar as exigências de qualificação técnica dos concorrentes com as especificidades das prestações do objeto do contrato.
Se tal lógica, coerência e conformidade não estiver assegurada, as exigências de qualificação técnica poderão ser consideradas excessivas, desproporcionais face ao objeto do contrato e às tarefas que o mesmo importa, gerando uma violação do princípio da concorrência.
E recorde-se que é sabido que nestes domínios a sindicância judicial não é plena, «pois que, sob pena de violação do princípio da separação de poderes, não pode sobrepor-se ao juízo da Administração quando ele se contenha dentro de coordenadas técnicas ou de planos que não extravasam a sua margem de decisão nas situações de não vinculação».
Porém,
Esta contenção do juiz administrativo só pode mas deve, ser preterida quando for visível que a entidade adjudicante agiu com erro grosseiro ou manifesto, que mereça uma censura particular, ou quando seja visível que a invocação de regras técnicas e a formulação de tais juízos foi feita com violação dos princípios gerais a que a sua atividade está subordinada.
Tudo isto, mais e melhor, aqui.