A excessiva pormenorização ou a natureza excessivamente restritiva das especificações técnicas
Como resulta do Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia, de 25/10/2018, C-413/17 (“Roche Lietuva”), mais concretamente nos considerandos 29 e seguintes:
«(…) resulta desta disposição [nº 3 do art. 42º da Diretiva 2014/24, reproduzido no nº 7 do art. 49º do CCP] que a regulamentação da União reconhece uma ampla margem de apreciação à entidade adjudicante no âmbito da formulação das especificações técnicas de um contrato.
Esta margem de apreciação é justificada pelo facto de que são as entidades adjudicantes quem melhor conhece os fornecimentos de que necessita e quem está melhor posicionado para determinar os requisitos que devem estar preenchidos para obter os resultados pretendidos.
No entanto, a Diretiva 2014/24 estabelece determinados limites que a entidade adjudicante deve respeitar. Designadamente, exige-se no artigo 42º, nº 2, da Diretiva 2014/24 que as especificações técnicas permitam a igualdade de acesso dos operadores económicos ao procedimento de contratação e que não possam criar obstáculos injustificados à abertura dos contratos públicos à concorrência.
Este requisito concretiza, com vista à formulação de especificações técnicas, o princípio da igualdade de tratamento constante do artigo 18º, nº 1, primeiro parágrafo, da referida diretiva. Segundo esta disposição, as autoridades adjudicantes devem tratar os operadores económicos de acordo com os princípios da igualdade de tratamento e da não discriminação e devem agir de forma transparente e proporcionada.
Como o Tribunal de Justiça já decidiu, os princípios da igualdade de tratamento, da não discriminação e da transparência revestem uma importância crucial no que se refere às especificações técnicas, tendo em conta os riscos de discriminação ligados quer à sua escolha quer à forma de as formular (…).
É ainda especificado no artigo 18.º, nº 1, segundo parágrafo, da Diretiva 2014/24 que os concursos não podem ser organizados no intuito de (…) reduzir artificialmente a concorrência e que esta se considera artificialmente reduzida caso o concurso tenha sido organizado no intuito de favorecer ou desfavorecer indevidamente determinados operadores económicos.
Na mesma ordem de ideias, o considerando 74 da Diretiva 2014/24 enuncia que as especificações técnicas deverão «ser elaboradas de forma a evitar uma redução artificial da concorrência através de requisitos que favoreçam um operador económico específico ao refletirem as principais características dos fornecimentos, serviços ou obras habitualmente oferecidos pelo mesmo». Com efeito, também nos termos deste considerando, também «deverão possibilitar-se a apresentação de propostas que reflitam a diversidade das soluções técnicas, das normas e das especificações técnicas existentes no mercado […]».
O cumprimento destes requisitos é tanto mais importante quanto, como no caso em apreço, as especificações técnicas contidas no caderno de encargos de um contrato são formuladas de forma particularmente pormenorizada. Com efeito, quanto mais pormenorizadas forem as especificações técnicas maior é o risco de os produtos de um dado fabricante serem privilegiados. (…)».
Também o Supremo Tribunal Administrativo, debruçando-se precisamente sobre esta problemática, veio recentemente sumariar o seguinte:
Sem prejuízo da liberdade das entidades adjudicantes na estipulação das especificações técnicas, há limites que não podem ser ultrapassados, nomeadamente quando, através da excessiva pormenorização ou da natureza excessivamente restritiva das especificações técnicas estabelecidas, resulta entravada a concorrência e beneficiado determinado operador – tudo contra o legalmente imposto, a este propósito, no art. 42º nº 2 da Diretiva 2014/24, refletido no art. 49º nº 4 do CCP (cfr. Ac.TJUE de 25/10/2018, C-413/17, “Roche Lietuva”, considerandos 29 e segs.).
Aliás, nos casos excecionais em que apenas um operador esteja em condições de satisfazer as necessidades contratuais pretendidas, o procedimento adequado será, então, o do ajuste direto, nos termos do art. 24º nº 1 e) ii) do CCP, cumprindo à entidade adjudicante o ónus de especial fundamentação da inexistência de concorrência por motivos técnicos (nomeadamente, que “não exista alternativa ou substituto razoável” e que “a inexistência de concorrência não resulte de uma restrição desnecessária face aos aspetos do contrato a celebrar” – cfr. nº 7 do citado art. 24º).
Assim, sem se contestar a “ampla margem de apreciação das entidades adjudicantes no âmbito da formulação das especificações técnicas de um contrato”, não podem aquelas, na sua estipulação, criar obstáculos injustificados à abertura dos contratos públicos à concorrência através de requisitos que favoreçam um operador económico específico ao refletirem as principais características dos fornecimentos, serviços ou obras habitualmente oferecidos pelo mesmo, devendo possibilitar-se, pelo contrário, a apresentação de propostas que reflitam a diversidade das soluções técnicas existentes no mercado.
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