Tráfico de influência no procedimento de ajuste direto
O tráfico de influência está criminalizado no artigo 335.º do Código Penal: «quem, por si ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, vantagem patrimonial ou não patrimonial, ou a sua promessa, para abusar da sua influência, real ou suposta, junto de qualquer entidade pública, é punido (…)».
Toda a atividade pública deve estar orientada pelos valores da transparência e as suas práticas devem estar exclusivamente votadas à realização do interesse público, tal como está constitucionalmente imposto (cfr. artigo 269.º da Constituição da República Portuguesa).
A boa gestão da coisa pública, com especial destaque no plano da contratação pública, pelos amplos recursos financeiros associados, tem de pautar-se, entre outros, por critérios de eficiência e economicidade, o que exige, de todos os intervenientes, isenção, imparcialidade e sentido de missão.
O alinhamento no processo de formação dos contratos públicos com estes princípios é determinante, muito em particular quando se adotam tipos de procedimentos com um pendor concorrencial mais limitado, como é o caso do ajuste direto ou da consulta prévia.
O ajuste direto – procedimento em que apenas uma entidade é convidada a apresentar proposta (artigo 112.º, n.º 2 do Código dos Contratos Públicos) – pode constituir instrumento de condutas dúbias, situadas na fronteira da instigação e da coação, geralmente ocultas por força da circunstância de tais comportamentos se mostrarem impercetíveis pela regularidade formal da contratação.
De facto, o ajuste direto – salvo na sua versão simplificada no artigo 128.º do CCP – porque implica normalmente a elaboração de uma informação para a abertura do procedimento, quase sempre subscrita por um colaborador da organização, e diversos e subsequentes atos procedimentais assumidos diretamente pelos técnicos envolvidos, pode constituir campo fértil para o indevido abuso de posições de superioridade ou condição privilegiadas para influenciar, de forma determinante, a escolha da entidade a convidar e os termos e condições da contratação a firmar.
Se essa influência existir e não estiver suportada – ou, pelo menos, não existir evidência de estar suportada – em dados informativos referentes à qualidade da prestação da entidade a convidar e ao equilíbrio das condições contratuais indicadas face às praticadas no mercado, o suporte para a decisão final pode tornar-se opaca, comprometendo todos os intervenientes no processo de contratação.
Assim, a escolha feita pelas entidades adjudicantes deve estar sustentada no conhecimento e na experiência que possui relativamente à qualidade global do operador económico a convidar. Esse conhecimento, que poderá ser próprio ou recolhido no mercado, não será uma mera perceção individual, pessoal, empírica ou simplesmente intuída.
A informação tem necessariamente de consubstanciar um conhecimento organizacional, suportado em mecanismos procedimentais de avaliação e graduação da prestação dos fornecedores, transparentes e objetivos, na sequência do confronto que, em cada momento, a entidade adjudicante – ou as entidades congéneres – realizarem entre as diferentes dimensões da prestação contratada (a adequação do preço, o cumprimento dos prazos de execução e a qualidade final pretendida, por exemplo) com o resultado final e efetivo da execução do contrato.
A escolha do operador económico a convidar por ajuste direto com recurso a um ranking interno de graduação e mérito, instituído como instrumento técnico de observação da performance dos contratos públicos celebrados pela organização, oferecerá acrescidas garantias aos subscritores das propostas e aos decisores finais de transparência, eficiência e eficácia na aplicação dos dinheiros públicos.