Proposta

Pode haver retiradas estratégicas, mas… não se aceitam desistências!

O Código dos Contratos Públicos admite, de forma expressa e inequívoca, no seu artigo 137.º, a retirada estratégica ou definitiva dos interessados do campo de batalha concorrencial, bastando comunicar tal facto à entidade adjudicante.

De facto, os interessados – que ainda não serão verdadeiros concorrentes – podem, mesmo depois de se preparem para lançar os dados, optar por não ir a jogo, retirando a proposta inicialmente apresentada e abandonando a partida mesmo antes desta começar.

Mas podem, também, reformular a sua estratégia, organizar os seus meios, reponderar a sua metodologia e, evidentemente dentro do prazo, apresentar uma nova (e mais competitiva) proposta. Assim o admite o n.º 2 daquele mesmo artigo 137.º

Compreende-se esta maleabilidade: estando – ou devendo estar – escondido o jogo dos adversários, até ao momento do apito inicial – o termo do prazo de apresentação das propostas – cabe aos diferentes players, num quadro de verdade concorrencial, ajustar, reformular, adaptar e otimizar suas estratégias de abordagem ao caderno de encargos, com vista à conquista dos pontos necessários à superação dos seus opositores, no confronto com o critério de adjudicação.

Uma vez apresentada a proposta e ultrapassado o termo do prazo fixado para aquele efeito nas peças do procedimento, a declaração negocial emitida, que tem um destinatário determinado – a entidade adjudicantetorna-se eficaz, por se considerar, com o carregamento na plataforma, ter chegado ao conhecimento deste, como resulta do disposto no artigo 224.º, n.º 1 do Código Civil.

Com aquela entrega, o concorrente fica obrigado ao cumprimento nos termos compreendidos na proposta a celebrar o contrato, caso venha a ser o destinatário da adjudicação, não podendo já retirá-la, desdizer-se, contradizer-se ou, simplesmente, desvincular-se do compromisso que livre e conscientemente assumiu. Neste caso:

les jeux sont faits!!!

De facto, o princípio da intangibilidade das propostas impõe que esgotado o prazo para a apresentação das propostas, os proponentes fiquem vinculados às respetivas declarações negociais, não as podendo retirar ou alterar até que seja proferido o ato de adjudicação ou até que decorra integralmente o prazo de validade para elas fixado.

Este princípio – também denominado de princípio da indisponibilidade ou da imutabilidade da proposta – constitui um dos princípios gerais que importa considerar em matéria da contratação pública e que se aplica, naturalmente, em todos os procedimentos concorrenciais, sendo reconhecido, pela jurisprudência e pela doutrina, como um dos corolário dos princípios da concorrência e da igualdade.

Desta feita, as propostas apresentadas ao procedimento adjudicatório não estão, pois, após o decurso do prazo para a sua apresentação, na disponibilidade dos concorrentes, de ninguém, aliás, tornando-se intangíveis, petrificadas – por vezes, infelizmente, fossilizadas – documental ou materialmente, valendo pelo seu conteúdo inicial.

Ou seja, concorrente fica juridicamente vinculado ao conteúdo da sua proposta desde o momento em que a apresentou, estando obrigado a mantê-la (durante o respetivo prazo de validade) até que se verifique o evento que, segundo as normas aplicáveis, determina a extinção desse seu compromisso.

No artigo 65.º do Código dos Contratos Públicos estabelece-se o prazo pelo qual os concorrentes estão obrigados a manter as suas propostas, a contar da data correspondente ao termo do prazo para a sua apresentação. O prazo de 66 dias é o prazo mínimo e corresponde à baliza temporal que a entidade adjudicante fixou no programa do procedimento, funcionado igualmente como critério supletivo na falta de indicação expressa no regulamento do procedimento.

A vinculação dos concorrentes àquilo que declararam é, obviamente, fundamental para a entidade adjudicante, tal como o é para qualquer destinatário de uma proposta negocial: oferecer a segurança jurídica de que as declarações negociais são emitidas de forma séria, honrada e com o propósito de serem cumpridas. Só assim é possível negociar com segurança e boa-fé, confiando que serão produzidos os efeitos prometidos nas declarações dos emissores.

Por outro lado, para os concorrentes, a existência de um prazo de manutenção das propostas confere a correlativa segurança de que o compromisso que afirmaram, num contexto temporal próprio e específico, não se perpetuará indefinidamente, constituindo-os numa situação de incerteza enorme e, naturalmente, um risco incomportável para as suas organizações.

Por isso, se os concorrentes não podem desistir da proposta apresentada depois de esgotado o prazo contratual – porque a proposta, como se disse, não está já na sua disponibilidade – não pode, também, a entidade adjudicante aceitar, tranquila e cordeiramente, essa desistência.

Na verdade, ainda que o concorrente se arrependa da proposta que apresentou e disso mesmo informe a entidade adjudicante, não tem esta liberdade para o desobrigar da mesma, concedendo-lhe a graça da retirada. Essa eventual declaração do concorrente – de desistência – é ineficaz relativamente à entidade adjudicante.

Terá, por isso, parece-nos, a entidade adjudicante de analisar a proposta, avaliá-la e, eventualmente, proferir a decisão de adjudicação, mesmo sabendo que o concorrente se desinteressou pela sua proposta. Ainda que tudo venha a redundar na caducidade da adjudicação por falta de apresentação de documentos de habilitação.

Certo é que, se a proposta não pode ser retirada livremente pelo concorrente, não parece também possível que a entidade adjudicante possa, livre e casuisticamente, desobrigar algum concorrente que pretenda desistir a meio do jogo…

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