E se o programa do concurso ordenar a apresentação de documentos de habilitação com a proposta?
A proposta é constituída, a par da declaração do anexo I ao Código dos Contratos Públicos, pelos documentos que compreendam os atributos e os que contenham os termos ou condições relativos a aspetos da execução do contrato não submetidos à concorrência, tal como assinala o n.º 1 do artigo 57.º do Código.
No caso de se tratar de um procedimento de formação de contrato de empreitada ou de concessão de obras públicas, a proposta deve ser, ainda, acompanhada por documentos caracterizadores da obra – como uma lista de preços unitários e o plano de trabalhos – compreendendo atributos ou termos ou condições conforme os aspetos neles tratados tenham, ou não, reflexos no critério de adjudicação.
O legislador, no n.º 3 do artigo 57.º, admite, ainda, que integrem «também a proposta quaisquer documentos que o concorrente apresente por os considerar indispensáveis» para a caracterização dos atributos segundo os quais pretende contratar.
Não poucas vezes, as entidades adjudicantes incluem no elenco dos documentos que devem integrar as propostas documentos reportados à pessoa do concorrente – a sua qualificação ou habilitação – não constituindo, portanto, acervo informativo delimitador, definidor ou concretizador do conteúdo das prestações contratuais.
Em tais situações, são pedidos documentos que não integram o elenco do artigo 57.º do Código dos Contratos Públicos, exigências muitas vezes suportadas no n.º 4 do artigo 132.º, que confere à entidade adjudicante, no uso do seu poder discricionário de preparação do concurso público, a possibilidade de prever no programa regras especificas consideradas convenientes.
Na maioria das vezes, esses documentos adicionais reportam-se, verdadeiramente, habilitação do operador económico, constituindo elementos informativos cuja análise está, normalmente, reservada para uma fase posterior, exclusivamente destinada ao adjudicatário, nos termos regulados pelo artigo 81.º e seguintes do Código.
Esta exigência procedimental pode importar riscos jurídicos acrescidos para a gestão do concurso, dado que, por um lado, tais documentos não integram o elenco do artigo 57.º, não podendo ser excluída uma proposta que os omita com fundamento da hipótese enunciada na alínea e) do n.º 2 do artigo 146.º do Código dos Contratos Públicos.
Por outro lado, tendo tal exigência sido feita no programa do procedimento, e tendo-se nele estipulado a exclusão da proposta em caso de preterição da formalidade, a punição encontrará suporte normativo na alínea m) do n.º 2 do aludido artigo 146.º.
Excluir ou não excluir, eis a questão, com um litígio já em antecipação!
Recentemente, o Tribunal Central Administrativo do Norte, em Acórdão de 15 de maio de 2020 (processo 00705/19.2BECBR), entendeu que:
«Resulta do disposto no artigo 132.º do Código de Contratos Públicos que a entidade adjudicante tem larga margem para fixar as regras do procedimento concurso tendo como limite essencial o respeito pelo princípio da concorrência, princípio basilar nos concursos públicos.»
Acrescentou, ainda, que:
«não existe, por isso, obstáculo legal a que os requisitos de habilitação não possam ser exigíveis a todos os concorrentes e não apenas ao adjudicatário. Em nada se belisca, à partida, o princípio da concorrência com essa opção»,
reforçando que oferece a:
«vantagem de satisfazer melhor as exigências de certeza, segurança e celeridade, evitando a adjudicação a um concorrente que não esteja habilitado para o concurso.»
O Tribunal concluiu que:
«é legal por isso a exclusão da empresa concorrente que não apresentou com a sua candidatura a documentação necessária para comprovar que preenchia os requisitos de habilitação, se o programa do concurso cominava com a exclusão essa falta».
Não obstante esta recente orientação jurisprudencial, a prudência na construção das peças do procedimento aconselha uma ponderação equilibrada do interesse em enveredar por soluções de antecipação da habilitação para a fase de apresentação e análise das propostas.
Isto porque os Tribunais superiores – mormente o Supremo Tribunal Administrativo – já consideraram, também, que «a não apresentação de um documento exigido no programa do concurso como necessário à execução da obra não pode, só por si, determinar a exclusão preliminar de um concorrente sem análise da respetiva proposta, pois que só em sede de habilitação de adjudicatário está prevista a obrigatoriedade dessa apresentação (ver art. 81º)» (processo 0846/12, de 30 de janeiro de 2013).
O próprio Tribunal de Contas considerou que a exigência de apresentação de alvará adequado à realização de obras públicas com a proposta constitui uma violação do n.º 2 do artigo 81.º do Código dos Contratos Públicos, que prevê que tal exigência só pode ser colocada ao adjudicatário, contribuindo tal violação para distorcer o universo de potenciais interessados e concorrentes no concurso público (vide acórdão do TdC n.º 71/2011, de 20.12, 1ª S/SS (proc. n.º 963,964 e 1696/2011).
Se à entidade adjudicante interessa gerir eficazmente o procedimento e dispõe de um momento próprio para aferir os impedimentos e apreciar autorizações exigidas ao adjudicatário – a habilitação -, pode não ser avisado tentar antecipar essa operação, sobretudo porque a questão não parece ser, ainda, totalmente pacífica…