Preço anormalmente baixo

Da dúvida à certeza: em jogo, a pertinência da justificação!

Os concorrentes a procedimentos de formação de contratos públicos podem apresentar propostas com preços que aparentem ser anormalmente baixos. Mas para que a proposta venha a ser admitida, terá o proponente de evidenciar junto da entidade adjudicante que esse desfasamento do preço apresentado, por consideração da prática do mercado, é meramente aparente e, nessa medida, ilusório.

A jurisprudência tem reiteradamente assumido que uma proposta de valor anormalmente baixo é uma proposta que suscita sérias dúvidas sobre a sua seriedade ou congruência e, portanto, é, à partida e em abstrato, uma proposta suspeita, que não oferece credibilidade de que venha a ser cumprida.

É, por isso, uma proposta a excluir, caso não seja justificada e tal justificação aceite pela entidade adjudicante.

Quando confrontada com uma proposta de preço anormalmente baixo sem que o mesmo seja devidamente justificado , a entidade adjudicante não está investida num poder – no sentido de possibilidade – de excluí-la do procedimento. Tem o dever de o fazer, porque assim o impõe a alínea e), do n.º 2 do artigo 70.º do Código dos Contratos Públicos.

A previsão de um preço anormalmente baixo como fator de exclusão das propostas destina-se a evitar o risco de degradação da prestação dos serviços motivada pela prática de preços sobejamente inferiores aos respetivos custos.

Quando o Código dos Contratos Públicos, no artigo 71.º, exige que sejam prestados esclarecimentos justificativos da apresentação de um preço anormalmente baixo, não se basta com o cumprimento, pelo concorrente, de um mero formalidade documental. Exige-se obter – e, sobretudo, compreender – uma real e efetiva justificação.

Nessa medida, as informações com que os concorrentes procurem justificar o preço anormalmente baixo que apresentam terão de traduzir-se em factos ou circunstâncias que assumam um caráter de especialidade, excepcionalidade, originalidade ou especificidade face àquelas que são as vulgares motivações, as normalmente praticadas no mercado.

Será por força dessa especial caracterização das razões que permite ao concorrente apresentar aquele preço que habilita a entidade adjudicante a considerar o preço como, não obstante manifestamente inferior ao preço de equilíbrio, um preço – para aquele concorrente e naquele contexto – de mercado.

Existirá, portanto, um percurso a trilhar entre uma proposta de preço competitivo, eventualmente sustentado numa boa organização empresarial, em resultado de sinergias relevantes ou em condições de contexto favoráveis, e uma proposta cujo preço é tão baixo que a lei não se dispensa de o qualificar como anormal. E que só o poderá deixar de ser se sustentado em condições de que beneficia o concorrente também elas especialmente invulgares (anormais, nessa perspetiva).

As propostas de preço anormalmente baixo são, assim, por natureza propostas duvidosas, porquanto, na sombra de uma aparente vantagem para a entidade adjudicante, encerram riscos muito significativos para a boa execução do contrato, que facilmente podem redundar numa execução imperfeita ou incompleta do contrato, com inevitáveis aumentos de custos que tal potencial deficiente cumprimento acarretará.

Por essa razão, como assinala a doutrina, «a execução da prestação que constitui o objeto do contrato a celebrar deve pois ser confiada a quem, tendo apresentado uma proposta que cumpre todas as exigências e condições impostas pelo caderno de encargos, apresente um preço adequado a remunerar o conjunto de custos, riscos e ónus que essa execução comporta, bem como a margem de lucro que o co-contratante necessariamente deve receber».

A proposta de preço anormalmente baixo, Estudos de Contratação Pública II, João Amaral e Almeida, Almedina, página 88

Se a proposta não garante, em si mesmo, ao concorrente, por força do preço excessivamente baixo, a adequada cobertura dos custos e a obtenção da margem de lucro, num quadro de tutela do mercado e da livre concorrência, impõe o interesse público que se afaste o risco de incumprimento contratual que advêm das características de tal proposta. Isto porque apesar da sua aparente vantagem, a probabilidade de com ela se onerar o erário público é muito significativa.

Só se a proposta, não obstante a aparente anomalia, se revelar afinal justificadamente séria e congruente, pode e deve ser admitida.

Dado o apelo inegável de comprar “baratinho”, o regime do «preço anormalmente baixo» acaba por visar, também, defender a entidade adjudicante das suas próprias tentações, em homenagem à doutrina económica tradicional: «o barato sai caro»!

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