Eu fundamento, tu fundamentas, ele fundamenta…
O artigo 71.º do Código dos Contratos Públicos, na sua redação atual, providenciada pelo Decreto-Lei n.º 111-B/2017, de 31 de agosto, permite que as entidades adjudicantes, querendo, definam no programa do concurso ou na carta convite as situações em que o preço ou o custo de uma proposta é considerado anormalmente baixo.
Se nada for ali regulado, ao contrário do que vigorava antes da última revisão ao Código dos Contratos Públicos, a lei não define, como que supletivamente, um indicador objetivo para a qualificação de um preço como anormalmente baixo.
Caso a entidade adjudicante opte por definir esse referencial, tem, necessariamente e por força do disposto no n.º 2 do artigo 71.º do Código dos Contratos Públicos, de fundamentar a opção e indicar os critérios que presidiram à concreta fixação.
A fundamentação da opção não se confunde com o critério do cálculo: no primeiro caso, tem a entidade adjudicante de explicar a razão pela qual entende ser necessário definir um limitar; depois – fundamentada a necessidade de fixação do limiar -, impõe-se explicitar o critério que determinou o apuramento concreto do limiar fixado.
A fundamentação deve ser formal e substancial. Fundamentar não é só invocar um motivo, descrever uma abstração, apresentar uma explicação/tese, uma declaração/”modelo” (que, muitas vezes, é utilizada para “fundamentar” a opção num dado procedimento específico mas que, em boa verdade, acaba por ser reproduzida nos demais…).
A entidade adjudicante terá de descrever o iter congnitivo da decisão, enunciando os factos que a levaram a considerar determinante estabelecer um balizamento para a formação de preços. E não obstante estar tal decisão compreendida na campo da discricionariedade administrativa, não deixa ela de ter de constituir um juízo técnico, suportado em factos, premissas e conclusões, que têm de ser concretas e coerentes.
A necessidade de definir um limiar nos termos do artigo 71.º do Código dos Contratos Públicos, resulta, seguramente, de uma análise ao mercado, atentas as prestações compreendidas no caderno de encargos. São os riscos de boa execução do contrato associados a um preço tão baixo que exigem a predisposição de um referencial: riscos associados à flutuação de preços das matérias primas; riscos relacionados com a disponibilidade dessas matérias primas no mercado e os custos associados à sua mobilização; riscos relacionados com o tipo, caracterização ou qualificação da mão-de-obra; riscos decorrentes da própria complexidade das prestações contratuais; riscos emergentes de específicos custos de contexto, de soluções técnicas a aplicar ou outras.
Parece, em todo o caso, evidente que a entidade adjudicante tem, ela própria, de conhecer a envolvente negocial em que está a operar. Pois será aquela sua matriz de raciocínio que a levou a entender ser necessário impor um referencial que constituirá, então, o suporte para a fixação do preço anormalmente baixo e o pressuposto justificativo do critério utilizado para a delimitação concreta do limiar.
Será à luz desta matriz que a entidade adjudicante solicitará ao concorrente que tenha apresentado uma proposta inferior ao aludido referencial para que, também ele agora, justifique o preço apresentado. E será concatenando as justificações apresentadas pelo concorrente com a justificação da necessidade de fixação do limiar do preço anormalmente baixo que a entidade adjudicante considerará, ou não, a proposta apresentada como devidamente… fundamentada.
Quando está em causa um preço anormalmente baixo, todos os intervenientes fundamentam as suas opções!