Estou obrigado a adjudicar por lotes?
Não existe, no Código dos Contratos Públicos, a obrigação vinculada da entidade adjudicante prever, nas peças do procedimento, a adjudicação por lotes.
O n.º 1 do artigo 46.º-A do Código dos Contratos Públicos determina que «as entidades adjudicantes podem prever, nas peças do procedimento, a adjudicação por lotes». As entidades adjudicantes gozam, portanto, da liberdade – melhor, da discricionariedade – de compor o caderno de encargos segmentando, ou não, o objeto do contrato em diferentes contratos, ao alcance de diferentes interessados no procedimento.
Com efeito, a escolha das entidades adjudicantes de organizar, ou não, a adjudicação por lotes inscreve-se no domínio da discricionariedade procedimental, no plano da escolha do método, da solução e do processo que melhor realize o interesse público inscrito no objeto do contrato público a celebrar.
Uma das dimensões estratégicas para a política de contratação pública, vertida das mais recentes diretivas comunitárias, apela à promoção de uma mais ampla concorrência e à participação de pequenas e médias empresas em procedimentos de formação de contratos públicos. A solução de adjudicação por lotes, pelas implicações que tem no quadro da realização da despesa pública, inscreve-se na concretização do que se vai designando por políticas secundárias, também denominadas de horizontais.
O legislador nacional confia, portanto, que as entidades adjudicantes terão presentes os objetivos estratégicos associados à realização da despesa por via da contratação pública e, como tal, refletirão sobre o processo de contratação e, sempre que possível, concretizarão a organização do contrato com diferentes lotes, assim dando corpo às políticas secundárias de inclusão de uma maior multiplicidade de operadores económicos, designadamente os de menor dimensão.
Se, por um lado, no n.º 1 do artigo 46.º-A do Código dos Contratos Públicos, o legislador confia no exercício do poder discricionário das entidades adjudicantes, já no n.º 2 do mesmo artigo, desconfia da sua capacidade técnica, organizativa e de planeamento.
Isto porque, apesar da liberdade de poder escolher adjudicar por lotes, ou não, certo é que, se estiverem em causa valores significativos – € 500.000, no caso de empreitadas, € 135.000, no caso de locação ou aquisição de bens ou serviços – a opção – que continua a existir – de não contratação por lotes tem de ser fundamentada na decisão de contratar.
A adjudicação por lotes, autonomizando prestações contratuais suscetíveis de constituírem objeto de um único contrato, implica – isso parece claro – um acréscimo de complexidade procedimental para o procedimento: potencialmente mais concorrentes, diferentes propostas para diferentes lotes, multiplicidade de análises, avaliações, relatórios, audiências prévias, habilitações, cauções e formalizações de contratos.
O legislador sabe que este trabalho acrescido pode desmotivar as entidades adjudicantes de usarem a liberdade permitida pelo artigo 46.º-A do Código dos Contratos Públicos, gerando a tentação de usarem essa mesma liberdade para… “fazer como sempre se fez“.
A obrigação de fundamentação, na decisão de contratação, da opção de não contratação por lotes constitui, então, um travão à sobreposição de considerações de simplificação burocrática à prossecução de objetivos materialmente relevantes de promoção dos mercados concorrenciais.
A decisão de contratar que não explicite e fundamente a opção de não contratação por lotes, quando em causa esteja a celebração de contratos com valor superior aos indicados no n.º 2 do artigo 46.º-A do Código dos Contratos Públicos, estará inquinada de vício suscetível de comprometer a validade do contrato.