O jogo é só entre desconhecidos. Os «primos», mesmo afastados, ficam de fora!
A consulta prévia, como indica o n.º 1 do artigo 112.º do Código dos Contratos Públicos, «é o procedimento em que a entidade adjudicante convida diretamente pelo menos três entidades à sua escolha a apresentar proposta, podendo com elas negociar os aspetos da execução do contrato a celebrar».
Apesar de se tratar de um procedimento fechado – no sentido de não ser de acesso a todos os interessados que se mostrem habilitados à execução das prestações contratuais – a consulta prévia admite e pretende realmente promover alguma disputa concorrencial.
E com concorrência, o legislador pretende um real confronto, embate, disputa entre os interessados.
Só há disputa se os interesses de quem se confronta forem efetivamente antagónicos!
(Como são maçadores os jogos entre duas equipas que já estão confortavelmente apuradas para os oitavos de final! Os interesses estão tão alinhados que, por vezes, até parece que combinaram, no balneário, jogar “ao meio”. Aliás, a coisa só diverte quando alguém se engana e, por erro… lá entra um golo!)
Como se pretende que na consulta prévia se dispute, efetivamente, o contrato – porque da disputa real resulta a otimização de soluções, a economia de processos, a rentabilidade das operações e, portanto, a eficiência na produção do resultado prestacional – à entidade adjudicante interessa que os participantes no procedimento (as entidades convidadas) sejam verdadeiros concorrentes e não parceiros disfarçados.
No mercado da contratação pública, muitos desses “parceiros” – entidades que tendo, embora, personalidade jurídica própria, se encontram relacionadas entre si – apresentam-se a procedimentos sob a forma de concorrentes.
Mas entre eles não existe uma concorrência genuína, dado que partilhando uma mesma cadeia de comando efetiva, operam de forma naturalmente alinhada, de modo a potenciar os seus interesses primordiais – o lucro – que são, como é normal, conflituantes com os interesse da entidade adjudicante – solução economicamente mais vantajosa.
No caso da consulta prévia, a prevenção destes fenómenos exige, obviamente, a implementação de mecanismos de gestão e controlo por parte das entidades adjudicantes: um olhar crítico para os diferentes operadores económicos, uma sensibilidade para compreender os interesses em jogo e uma incorporação dos princípios fundamentais da contratação pública nos processos de gestão.
Com a Lei n.º 30/2021, de 21 de maio, o legislador vem reforçar estas preocupações e estabeleceu, no n.º 2 do artigo 114.º, que as entidades a convidar para apresentar proposta nas consultas prévias «não podem ser especialmente relacionadas entre si».
Para aquele efeito, consideram-se entidades especialmente relacionadas entre si:
- Entidades que partilhem, total ou parcialmente, representantes legais;
- Entidades que partilhem, total ou parcialmente, sócios;
- Sociedades que se encontrem em relação de simples participação;
- Sociedades que se encontrem em relação de participação recíproca;
- Sociedades que se encontrem em relação de domínio;
- Sociedades que se encontrem em relação de grupo.
Parece que o registo do beneficiário efetivo vai passar a ter de ser mesmo consultado. O legislador já não se basta com a sensibilidade das entidades adjudicantes.
E a verdade é que a gestão… não é bem o nosso forte…