O roteiro da negociação
This is the end…
A negociação na consulta prévia
A consulta prévia é, nos termos do artigo 112.º, n.º 1 do Código dos Contratos Públicos, «o procedimento em que a entidade adjudicante convida diretamente pelo menos três entidades à sua escolha a apresentar proposta, podendo com ela negociar os aspetos da execução do contrato a celebrar».
Da conjugação dos artigos 118.º e 125.º do Código dos Contratos Públicos, resultam os pressupostos que, cumulativamente verificados, implica a existência de uma fase de negociação das propostas, conduzida pelo júri do procedimento e com incidência, exclusiva, sobre os atributos das propostas:
- Se tiver sido apresentada, tempestivamente, mais do que uma proposta | se tiver sido apresentada uma única proposta, haverá lugar à aplicação do prescrito no artigo 125.º;
- Se tiver sido admitida uma única proposta | as propostas excluídas não são admitidas à negociação, inexistindo, portanto, viabilidade para a negociação, constituindo-se, na prática, uma situação idêntica à prevista no artigo 125.º;
- Se do convite constar a indicação de que as propostas apresentadas serão submetidas à negociação | caso tal especificação não tenha sido feita, nos termos exigidos na alínea a), do n.º 2 do artigo 115.º, as propostas apresentadas são inalteráveis.
Se este tiver sido o caso e estiverem reunidos os pressupostos para que a negociação tenha lugar, não parece ser legalmente possível ao júri, antecipadamente, dispensar a negociação, não a realizando. A expressão utilizada pelo legislador, no n.º 1 do artigo 118.º – “há lugar a uma fase de negociação” – aponta para que, pelo menos, uma sessão de negociação terá de existir, dando-se cumprimento ao disposto no artigo 120.º.
Se o júri, por sua iniciativa, dispensar a fase de negociação, seja porque já alcançou, com as propostas, o seu objetivo, seja porque o procedimento “está atraso“, seja porque não vislumbra oportunidade negocial efetiva – ainda assim, contra, portanto, o que se encontra regulado para o procedimento e, nessa medida, as expectativas dos concorrentes – não existirá um vício no procedimento?
To be continued…
O preço base e a viabilidade da negociação
A viabilidade da negociação está dependente da aceitação, pelas partes, das dimensões negociais e da existência de uma amplitude de aceitação positiva.
Esse será o caso se o intervalo definido entre a zona de procura direta e o ponto de resistência de uma das partes se sobrepõe, pelo menos num valor, com o da outra.
Se, na negociação, os pontos de resistência diretos – o limite de aceitação do que se procura obter em cada natureza – coincidirem, a negociação será muito difícil, senão mesmo impossível, em resultado do facto da amplitude negocial existente ser nula.


Quando a amplitude negocial é nula ou negativa, designadamente por coincidirem os pontos de resistência das partes em negociação, não será possível alcançar um acordo negociado, salvo se as partes, ou alguma delas, alterarem os seus pontos de resistência.
Um bom exemplo que pode ilustrar esta realidade ocorre quando um procedimento fica deserto e os potenciais interessados informam a entidade adjudicante que não conseguem acomodar a execução do contrato no preço base fixado.
Neste caso, a alteração do preço base – a alteração do ponto de resistência da entidade adjudicante – constitui uma alteração fundamental da sua posição negocial, o que determina a aplicação do n.º 2 do artigo 64.º do Código dos Contratos Públicos.
Por isso, no planeamento e condução de uma negociação, a fixação apriorística do ponto de resistência é determinante para o negociador, sob pena de se poder ver, ainda que involuntariamente, arrastado para um contexto negocial para o qual não está preparado ou não queria considerar.
To be continued…
Os parâmetros da negociação na consulta prévia
A negociação desenvolvida pela entidade adjudicante com os diferentes interessados, ao abrigo do artigo 118.º do Código dos Contratos Públicos, só poderá incidir sobre os atributos das propostas, isto é, sobre as características ou elementos das mesmas que digam respeito a aspetos da execução do contrato submetidos à concorrência.
Porém, e como é sabido, nem todos os atributos das propostas serão, necessariamente, objeto de negociação. Só o serão – e estes sê-lo-ão imperativamente – aqueles que respondam aos aspetos de execução do contrato que, antecipadamente, na carta-convite, não tenham sido expressamente excluídos da negociação pela entidade adjudicante, que o pode fazer, nos termos indicados na alínea a) do n.º 2 do artigo 115.º do Código dos Contratos Públicos.
Neste contexto:
– Dimensão negocial –
Os atributos das propostas submetidos, pela carta convite, à negociação representarão, então, a dimensão negocial, a natureza do que se pretende negociar.
– Zona de procura direta –
Na negociação, quer a entidade adjudicante, quer os concorrentes procurarão assegurar a adjudicação do contrato nas melhores condições contratuais possíveis, o que, atendendo à natureza do que se negoceia – a dimensão negocial – poderão representar, na sua expressão máxima, pretensões divergentes, isto é, antagonismos na zona de procura direta.
Se, por exemplo, a negociação versar sobre o preço contratual, a entidade adjudicante procurará assegurar que a adjudicação se faça ao mais baixo preço, ao passo que os diferentes concorrentes procurarão reservar, para si, a adjudicação ao preço mais elevado possível.
O que cada uma das partes pretende obter diretamente com a negociação é distinto, e, por isso, a zona de procura direta de cada uma das partes é divergente.
– Ponto de resistência –
Existem, naturalmente, pontos de resistência diretos na negociação, que consubstanciam limites, balizas, obstáculos intransponíveis pelas partes.
No campo da contratação pública, a entidade adjudicante, não raras vezes, fixa e divulga ao mercado pontos de resistência diretos à própria contratação. É o caso da fixação de parâmetros base nos cadernos de encargos.
O artigo 42.º, n.º 2 do Código dos Contratos Públicos admite que as cláusulas do caderno de encargos relativas a aspetos da execução do contrato submetidos à concorrência possam fixar parâmetros base a que as propostas estão vinculadas. Esses pontos de resistência não podem ser comprometidos pelos concorrentes nas suas propostas, sob pena de exclusão, como resulta da alínea b) do n.º 2 do artigo 70.º do Código.
Aliás, nem tão pouco pode a entidade adjudicante modificar aquele seu ponto de resistência e revê-lo de forma integralmente livre, por respeito ao princípio da salutar concorrência.
– Melhor alternativa para um acordo negociado –
A razão elementar para que inexista negociação, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 118.º do Código dos Contratos Públicos, quando tiver sido apresentada uma única proposta, é o parâmetro MAPAN | melhor alternativa para um acordo negociado.
De facto, qual é a melhor alternativa para as partes a um acordo negociado? Para a entidade adjudicante, quando é apresentada uma única proposta, não existe alternativa à oferta feita. Nesse caso, o MAPAN não oferece atratividade.
Logo, a força negocial da entidade adjudicante é inexistente.
Imperativos
No campo da contratação pública, existem significativos imperativos a observar pelas partes envolvidas na negociação. Desde logo, as próprias formalidades a observar imperiosamente no decurso do processo de negociação e que estão concretizadas no artigo 120.º do Código dos Contratos Públicos.
Porém, a par desses imperativos de natureza formal, existirão sempre imperativos de ordem material, resultantes de interesses fundamentais, zona de intransigência e obstáculos suscetíveis de determinarem ruturas reais e que comprometem a viabilidade da negociação.
Sobre a entidade adjudicante impende um dever de adjudicação, que apenas sobresta quando se mostra preenchida alguma das hipóteses elencadas no artigo 79.º do Código dos Contratos Públicos. Este é, portanto, um imperativo público e conhecido pelas partes em negociação e que, inevitavelmente, enfraquece a posição negocial da entidade adjudicante por ser uma representação no seu MAPAN, do conhecimento de todo o mercado.
To be continued…
Os parâmetros de análise para a negociação
A resposta às questões orientadoras de nível estratégico, no contexto da negociação, exige uma particular atenção a alguns parâmetros de análise da informação:

A dimensão negocial (DN) representa a natureza, ou naturezas, do que se pretende negociar. Uma negociação pode apresentar mais do que uma dimensão negocial, podendo envolver mais do que uma natureza.
A zona de procura direta (ZPd) representa aquilo – o quid – que desejavelmente se procura obter em cada natureza.
A zona de procura indireta (ZPi) representa o fim último a que se destina o que se pretende negociar à cabeça, no quadro da dimensão negocial primária.
As alternativas disponíveis que dispensam a negociação entre as partes consubstanciam as melhores alternativas para um acordo negociado (MAPAN).
O limite da aceitação do que se procura obter em cada natureza representa o ponto de resistência direto (PRd).
As condições a garantir criticamente para não comprometer o fim último a que se destina o que se quer negociar à cabeça representam os imperativos da negociação (Imp).
A resposta aos assinalados parâmetros permitirá estruturar a informação que se encontra disponível para a negociação, designadamente sobre os diferentes sujeitos nela envolvidos e as respetivas expectativas.
Essa resposta, do mesmo modo, oferecerá o enquadramento da resposta às principais questões orientadoras da negociação.
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As questões orientadoras para a negociação
A negociação é, essencialmente, um processo de influência através da comunicação e que tem o intuito de, mutuamente, promover a revisão das posições iniciais dos sujeitos nela envolvidos, fazendo variar os dados ao longo de um processo, num contexto de interação estratégica.
A informação na posse de cada um dos intervenientes e as expectativas quanto à exequibilidade do negócio serão determinantes na definição da estratégia – dura ou conciliatória – que será assumida por cada um dos sujeitos intervenientes numa negociação.
A leitura adequada da informação disponível constitui, então, a condição determinante para a fixação das expectativas e para a definição da estratégia negocial.
As questões orientadoras para a negociação colocam-se, então, tanto no plano estratégico e tático, como no plano operatório.

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O contexto da interação estratégica na negociação
O processo de negociação que tem lugar no quadro de um procedimento de contratação por consulta prévia, por exemplo, convoca a interação estratégica inerente ao processo de influência e comunicação comum a qualquer negociação, num contexto em que os mapas mentais dos sujeitos apresentam parâmetros de análise típicos e comuns a qualquer negociação, embora dominados e determinados por imperativos jurídicos específicos.
São comumente apresentados diversos modelos mentais de negociação:

No procedimento de consulta prévia pode haver lugar à negociação das propostas, desde que a existência dessa fase de interação esteja antecipadamente prevista no convite.
O convite deve não apenas sinalizar se as propostas serão, ou não, objeto de negociação, como deve ainda disciplinar os termos de acordo com os quais a negociação, a existir, deve ocorrer:
- Quais os aspetos da execução do contrato a celebrar que a entidade adjudicante não está disposta a negociar;
- Se a negociação decorrerá, total ou parcialmente, por via eletrónica e os respetivos termos.
Em qualquer dos casos, independentemente da delimitação que a entidade adjudicante pretenda fazer – antecipadamente, porque o faz logo na carta convite – aos aspetos sobre os quais incidirá a negociação, sabe é que só pode negociar os atributos da proposta e já não os termos e condições do caderno de encargos não submetidos à concorrência.
Recorde-se:
«Entende-se por atributo da proposta qualquer elemento ou característica da mesma que diga respeito a um aspeto da execução do contrato submetido à concorrência pelo caderno de encargos».
Assim se define o atributo da proposta, no n.º 2 do artigo 56.º do Código dos Contratos Públicos.
Nessa medida, são apenas negociáveis as características das propostas que concorram para a respetiva avaliação, à luz do critério de adjudicação definido pela entidade adjudicante.
Quaisquer outras características das propostas, por mais relevantes e decisivas que possam ser para a perfeição da execução contratual, se não constituírem atributos – ou seja, não relevarem para a avaliação da proposta – não são suscetíveis de negociação, por limitação imposta no n.º 1 do artigo 118.º do Código dos Contratos Públicos.
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O conflito de interesses e o potencial integrativo na negociação
O conflito de interesses é uma componente essencial da negociação. Não haverá possibilidade – viabilidade – de qualquer negociação se as partes não desejarem a mesma coisa ou coisas incompatíveis.
No entanto, a maioria das situações de negociação inclui um potencial integrativo. Estruturalmente, a negociação será integrativa quando os interesses de uma parte não são totalmente opostos aos interesses da contraparte, por serem, parcialmente, quer comuns, quer complementares.
A situação que conduz à negociação decorre da subsistência de desejos ou pretensões conflituais. Pelo menos duas partes disputam os mesmos recursos, mas nenhuma delas os pode adquirir na totalidade. Nessa medida, na ótica analítica, o processo de negociação consiste numa série de propostas e contrapropostas relativas à repartição desses mesmos recursos.
O n.º 2 do artigo 115.º do Código dos Contratos Públicos admite que, no âmbito do procedimento de consulta prévia, as propostas possam ser objeto de negociação. Claro que se apenas uma proposta for apresentada, não há lugar a negociação: a posição negocial do concorrente está reforçada, por não haver concorrência a desafiar. Isso mesmo está reconhecido no n.º 2 do artigo 125.º do Código.
O princípio subjacente ao processo de negociação previsto no artigo 120.º do Código dos Contratos Públicos, bem espelhado pelo n.º 4 do preceito, aponta para que “os concorrentes devem ter idênticas oportunidades de propor, de aceitar e de contrapor modificações das respetivas propostas durante as sessões de negociação”.
Aliás, a norma legal traduz um processo e um postulado a ele associado: a negociação é, por natureza, um processo de proposta, contraproposta e aceitação, processo esse de carácter concorrencial, sem privilégio de uns relativamente a outros, onde todos partilham das mesmas oportunidades.
Por isso, não se ignore que quando os concorrentes negoceiam perante a entidade adjudicante, e independentemente do formato concretamente adotado para a negociação, eles verdadeiramente negoceiam entre si, competem uns com os outros e não com a entidade adjudicante (apesar de ser esta uma das partes que dela retira, também, um benefício).
A transparência do processo de negociação, princípio decisivo também, porque enformador da contratação pública, é garantida pela imposição do n.º 3 do referido artigo 120.º, ao exigir que em cada sessão de negociação seja lavrada uma ata, assinada pelos membros presentes do júri e pelos representantes dos concorrentes, sempre com menção da recusa de algum destes em assiná-la.
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