Especial fundamentação para a «eternização» dos contratos
Artigo 48.º do Código dos Contratos Públicos, sob a epígrafe de «Fundamentação do prazo de vigência»:
«No caso de contratos de locação ou de aquisição de bens móveis ou de aquisição de serviços, a fixação no caderno de encargos de um prazo de vigência do contrato a celebrar superior a três anos deve ser fundamentada».
Artigo 410.º do Código dos Contratos Públicos, no capítulo sobre «Concessões de obras públicas e de serviços públicos»:
«1- O prazo de vigência do contrato é fixado em função do período de tempo necessário para amortização e remuneração, em normais condições de rendibilidade da exploração, do capital investido pelo concessionário. 2- Na falta de estipulação contratual, o prazo a que se refere o número anterior é de 30 anos, nele se incluindo a duração de qualquer prorrogação contratualmente prevista».
Artigo 432.º do Código dos Contratos Públicos, no capítulo sobre «Locação de bens móveis»:
«Em tudo quanto não estiver regulado no presente capítulo, é aplicável aos contratos de locação de bens móveis, com as necessárias adaptações, o disposto no capítulo sobre contratos de aquisição de bens móveis».
Artigo 440.º do Código dos Contratos Públicos, no capítulo sobre «Aquisição de bens móveis»:
«O prazo de vigência do contrato não pode ser superior a três anos, incluindo quaisquer prorrogações expressas ou tácitas do prazo de execução das prestações que constituem o seu objecto, salvo se tal se revelar necessário ou conveniente em função da natureza das prestações objecto do contrato ou das condições da sua execução».
Artigo 451.º do Código dos Contratos Públicos, no capítulo sobre «Aquisição de serviços»:
«Em tudo quanto não estiver regulado no presente capítulo, é aplicável aos contratos de aquisição de serviços, com as necessárias adaptações, o disposto no capítulo sobre contratos de aquisição de bens móveis».
«Apesar de o CCP não conter uma regra geral a proibir a celebração de contratos por tempo indeterminado, certo é que a temporalidade dos contratos públicos domina todo o respectivo regime jurídico, e desde logo por imposição dos princípios da concorrência e da prossecução do interesse público.
Efectivamente, a eternização da vigência de um contrato público traduz-se numa séria compressão do princípio da concorrência, e põe em causa – ou pode pôr – a possibilidade de alteração do resultado financeiro do contrato, pois nada garante que, após certo período de tempo, não aparecessem propostas mais atrativas para a prestação duradoura em causa.
Como decorre das normas legais citadas, a determinação do «prazo máximo» aplicável – se existente – varia conforme o tipo de contrato em causa. Enquanto os de concessão de obras públicas e de serviços públicos têm uma duração supletiva relativamente longa – 30 anos -, os de locação e de aquisição de bens móveis, e os de aquisição de serviços, já têm um prazo máximo de vigência muito menor: 3 anos.
Aquele prazo relativamente longo, seja o supletivo, seja outro expressamente previsto, deverá justificar-se sempre em função do tempo necessário para amortização e remuneração do capital investido pelo concessionário [artigo 410º do CCP].
Já a superação do prazo máximo de 3 anos – aplicável aos contratos de locação e de aquisição de bens móveis, e aos de aquisição de serviços – apenas será possível quando um prazo superior se revelar necessário ou conveniente em função da natureza das prestações objecto do contrato ou das condições da sua execução [artigos 440.º, 432.º, e 451.º, do CCP].
E, neste caso, a fixação de prazo de vigência do contrato superior a 3 anos deve ser fundamentada [artigo 48.º do CCP]. Caso o não seja, findo o prazo máximo torna-se imperativa a abertura de novo concurso.
Estamos perante a exigência de uma fundamentação acrescida e reforçada, a qual deverá, pois, justificar a necessidade ou a conveniência de um prazo superior a 3 anos em função ora da natureza das prestações objecto do contrato – como a aquisição de serviços que se desenvolvam ao longo de «um ciclo com princípio meio e fim de maior duração» – ora das condições da sua execução – o que abrange a hipótese da prestação do co-contratante envolver «um investimento relevante» só amortizável em prazo superior.
A fixação de um prazo de vigência superior a 3 anos constitui um limite muito forte à concorrência, na medida em que impede as empresas, que operam na área do negócio em concurso, de poderem fornecer aqueles bens e/ou serviços durante o período em que o mesmo vigorar para além dos 3 anos legalmente previstos.
A fiscalização judicial do cumprimento desse «dever de fundamentação» específica não pode ir ao ponto de avaliar o mérito da oportunidade ou a da conveniência invocada pela entidade adjudicante, mas apenas o cumprimento objectivo daquela obrigação [artigos 2º da CRP e 3º nº1 do CPTA].
Atente-se, porém, que avaliação deste cumprimento objetivo não se limita à verificação da existência ou não de uma fundamentação, mas vai ao ponto de apreciar da congruência e racionalidade da mesma, bem como da sua capacidade, ou sua potencialidade, para fundamentar aquela decisão.»
Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, Processo n.º 0122/14.0BEFUN, de 05-03-2020, http://www.dgsi.pt