E o que vai dizendo a jurisprudência?
«O artigo 79.º do Código dos Contratos Públicos consagra certos pressupostos para que se coloque a possibilidade de não adjudicação, os quais, sendo vinculados, exigem da parte da entidade adjudicante não só a sua invocação, como a sua devida comprovação, por estar em causa a derrogação de um dever legal.
O que determina que o artigo 79.º do Código dos Contratos Públicos não confira à entidade adjudicante qualquer margem de livre decisão para não adjudicar, não sendo uma decisão livre ou incondicionada nos seus pressupostos, antes exigindo uma alegação devidamente alicerçada em pressupostos de facto que a legitime.
Como decidido pelo Supremo Tribunal Administrativo no Acórdão datado de 11/03/2021, Proc. n.º 01445/19.8BEBRG, “a entidade adjudicante que convoca a ocorrência de circunstâncias imprevistas para não adjudicar não pode refugiar-se numa margem de discricionariedade – que o artigo 79.º do CCP claramente não lhe confere – para, sem qualquer justificação minimamente válida, se descartar daquele dever importo pelo artigo 76.º do CCP.”
Não podem, portanto, as entidades adjudicantes fundar-se em alegações vagas e genéricas, sem concretizar factualmente a alegação com que pretendem fundamentar a decisão de não adjudicação.
Como sublinha o Supremo Tribunal Administrativo:
«Em face do dever de adjudicação, previsto no artigo 76.º, n.º 1 do Código dos Contratos Públicos e das cláusulas típicas de não adjudicação previstas nas alíneas do artigo 79.º do CCP, não pode a entidade adjudicante limitar-se a uma alegação vaga e pouco concretizada para fundamentar a decisão de não adjudicação e da revogação da decisão de contratar, sob pena de ilegalidade.
Por isso, a margem que assiste à entidade adjudicante é no preenchimento dos pressupostos vinculados previstos no artigo 79.º, n.º 1 do Código dos Contratos Públicos e nada mais, sendo de recusar o entendimento (…) quanto à existência de uma margem de livre decisão para não adjudicar, já que que isso redundaria em derrogar o dever de adjudicação consagrado no artigo 76.º, n.º 1 do CCP».
«A lei ressalva a possibilidade de não adjudicar para situações típicas enunciadas no artigo 79.º, n.º 1 do Código dos Contratos Públicos, por nesse caso a não adjudicação constituir também uma forma de prosseguir o interesse público, não impondo ao decisor público prosseguir com um procedimento que já não é apto a prosseguir a sua finalidade ou escopo inicial (…)»
Mas…
«(…) Claramente a possibilidade de não adjudicar não visa proteger a desistência, o arrependimento ou a mera mudança de planos».
Por isso, considera a jurisprudência, existe um dever acrescido de fundamentação que acompanha a convocação de uma das causas de não adjudicação.
«Fundamentação que há-de ser de molde a esclarecer de forma devidamente circunstanciada e clara por que razão se dá a derrogação da solução regra que consta do artigo 76.º do Código dos Contratos Públicos, qual seja a imposição de um dever de adjudicação do decisor público.»
Estamos no domínio da contratação pública, domínio este em que valores como a concorrência, a transparência, a igualdade e não discriminação e a imparcialidade assumem um papel relevantíssimo (…).
(…) ao apresentar razões frágeis, confusas, conclusivas, incompletas, supostamente suficientes em virtude de uma margem de discricionariedade de que erradamente entende gozar, a entidade adjudicante está a favorecer um clima de suspeição e consequente litigiosidade, nada favorável ao interesse público».
Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, proc. 2083/20.8BELSB, de 2.06.2021